Em “Trago Seu Amor”, Claudia Castro mistura comédia romântica e fantasia de forma deliciosa e moderna, trazendo uma bruxa egocêntrica, Mia (Giovanna Grigio) que tem um poder inusitado: quem a beija se apaixona por ela, ou volta a amar a última pessoa por quem foi apaixonado. Essa premissa mágica se entrelaça com dramas afetivos reais quando Mia conhece Yuri (João Manoel), que ainda sente as dores do término com sua ex, Renê (Jê Soares). O conflito se intensifica quando Mia, em seu exercício de feitiçaria, acaba se apaixonando por Renê e é aí que a história ganha camadas de desejo, ego e poder emocional.
A roteirista Letícia Fudissaku acerta ao tecer uma narrativa tanto leve quanto reflexiva. A magia não é apenas um artifício para criar situações cômicas: ela é metáfora para o poder do afeto e para a ambiguidade no desejo. Mia usa seu dom para se conectar com os outros, mas também para exercer controle emocional, o que revela muito sobre seu ego e suas próprias inseguranças. A relação entre Mia, Yuri e Renê se torna um triângulo amoroso menos tradicional, mais vulnerável e cheio de escolhas.
Além disso, há um arco gay bastante pintoso por meio de Ariel (Diego Martins), o que adiciona diversidade afetiva à trama. Sua presença, cheia de glamour e pinta, é um ato de visibilidade pop que insere a comunidade LGBTQIA+ no mainstream. Ele representa o valor da amizade não-romântica e da família escolhida como pilares de apoio, e é um componente essencial da "alma camp", fugindo do clichê do melhor amigo gay ao ter sua função validada pela estética e afeto, e não apenas pelo romance.
A estética do filme é pop, solar e moderna, exatamente o que se espera de uma comédia romântica com elementos de fantasia. A luz, o figurino e a direção de arte valorizam cores vibrantes e um clima místico sem exagerar no sombrio. A fotografia leve combina com o tom leve e ao mesmo tempo profundo da trama, reforçando a sensação de que estamos em um mundo real, mas com pequenas fissuras mágicas.
No elenco, Giovanna Grigio entrega uma Mia poderosa, mas também frágil por trás de visuais fabulosos, cativando quando está manipulando corações e quando se descobre presa aos próprios encantamentos. Jê Soares como Renê traz o interesse romântico. João Manoel como Yuri consegue transmitir a melancolia de quem ainda ama e teme se curar. A participação de Diego Martins amplia a narrativa, e um cameo de Cauã Reymond traz um toque folhetinesco à trama.
O tema do autoconhecimento corre em paralelo ao poder mágico: Mia aprende que feitiço não resolve tudo e que mexer com sentimentos alheios tem consequências. O filme usa a bruxaria como uma lente para explorar poder, apego emocional e responsabilidade afetiva tudo isso de maneira lúdica, mas sem perder a profundidade. É uma reflexão sobre desejo, escolha e o que significa amar de verdade.
“Trago Seu Amor” dialoga com um momento interessante do cinema nacional, em que a fantasia ganha espaço para representar afetos diversos sem cair no exagero ou em estereótipos. Castro apresenta uma comédia romântica acessível, divertida e politicamente relevante, mostrando que o amor não convencional não é feitiçaria, mas uma verdade legítima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário