segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Tesis Sobre Una Domesticación (Argentina/México, 2025)

Em “Tesis sobre una Domesticación”, Javier Van de Couter adapta o romance homônimo escrito pela própria Camila Sosa Villada, que também protagoniza o filme. É um gesto de rara potência: a autora revisita sua própria ficção em imagem e corpo, traduzindo na tela o que já pulsava em suas palavras, o desejo de existir para além dos moldes, de amar a sua maneira.

O diretor, que já havia trabalhado com Sosa Villada em “Mía”(2011), constrói aqui um drama erótico e político sobre uma atriz trans de sucesso que se casa com um advogado (Alfonso Herrera) e decide adotar uma criança. O lar que constroem, feito de afeto e aparência, começa a ruir quando ela retorna à cidade natal, onde o passado lateja e o conservadorismo ainda dita regras.

O filme é, em essência, um estudo sobre o que significa domesticar, o corpo, o amor, a vida, e o que se perde quando se tenta caber. As cenas de sexo, intensas e deliberadamente selvagens não buscam escândalo, mas afirmação: o corpo trans não é metáfora nem coadjuvante, é carne, desejo e poder, uma presença que desobedece a docilidade esperada.

A colaboração entre Sosa Villada e Van de Couter resulta em um filme que questiona não apenas as normas sociais, mas também a própria tradição das narrativas trans no cinema. O diretor foge do modelo trágico e miserabilista, afirmando que queria escapar do clichê.  A protagonista de “Tesis sobre una Domesticación” não pede aceitação: ela já conquistou espaço, visibilidade e poder, e justamente por isso enfrenta o desafio de sustentar essa posição, entre o amor e o controle, entre o lar e a solidão.

Visualmente, Van de Couter cria um contraste poderoso: o apartamento urbano, elegante e quase estéril, traduz a promessa de estabilidade; já a cidade natal da protagonista, com sua luz dura e olhares inquisidores, representa o espelho que ninguém quer encarar. A adaptação encontra na sutileza seu próprio método de resistência. O que importa é a complexidade de existir  e não a didática da dor.

Com produção de Diego Luna e Gael García Bernal, “Tesis sobre una Domesticación” é uma obra indomável, feita de carne e contradição. Uma atriz trans interpreta sua própria invenção e, nesse gesto, transforma ficção em corpo político. É um filme sobre o perigo e a beleza de querer caber em um mundo que nunca foi feito para você e sobre a coragem de, ainda assim, permanecer.

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