No longa-metragem de estreia como diretora, Tina Romero (filha do lendário George A. Romero) assina uma comédia-terror que se desenrola num galpão no Brooklyn, durante uma megafesta em que drag queens, club kids e “frenemies” são forçados a unir talentos para sobreviver a um apocalipse zumbi. O enredo combina o legado dos mortos-vivos herdado do pai com uma lente queer contemporânea, empurrando o gênero para fora dos espaços tradicionais da sobrevivência e do horror genérico.
Romero transforma os mortos-vivos em metáfora direta para a cultura queer: zumbis banhados de glitter e figurinos fabulosos, arrastados pelo vício em apps e redes sociais. A festa se torna arca de salvação, e as drag queens reaproveitam cada habilidade, da maquiagem e unhas afiadas às perucas, saltos altos e coreografias, convertendo tudo em arma. O resultado é um espetáculo de “glam-gore”, onde lente metálica, sangue e batom se misturam para afirmar que a diferença encontra força no coletivo e no exagero.
O filme não apenas representa personagens LGBTQIA+ num terror, mas apresenta um elenco majoritariamente queer que cobre boa parte da sigla, com nomes como Cheyenne Jackson, Margaret Cho, Dominique Jackson (“Pose”), Katy O’Brian e Nina West (“Drag Race”), cada um explorando seus talentos em papéis de destaque. Essa presença visível transforma “Queens of the Dead” em um rito de passagem para o horror queer mainstream, onde sobreviver não é só escapar dos mortos-vivos, mas afirmar identidade, solidariedade e família escolhida.
Tecnicamente, a obra honra algumas regras do panteão Romero, zumbis cambaleando, bocas abertas, mordidas contagiosas , enquanto subverte outras, como os símbolos religiosos, com ironia. A festa que vira carnificina, os figurinos que brilham sob luz de néon e o cenário de clube underground transformado em campo de resistência reafirmam que o horror queer também é o palco da liberdade interrompida.
“Queens of the Dead” entrega o que promete: diversão visceral, inclusão e crítica submersa. A sátira é ácida, as analogias bem construídas, e o filme brilha sob a luz neon da fotografia de Shannon Madden. A trilha, com músicas pop de Kesha a Bizarre Inc, mantém o ritmo frenético, e, claro, se tem drag e apocalipse, há um lipsync pela vida.
“Queens of the Dead” se ergue como uma zumbi glamourosa: um filme que não abre mão do espetáculo e não se esquiva do riso, do caos e da reivindicação. Em um mundo onde a comunidade queer enfrenta perigos reais e invisíveis, Tina Romero cria uma festa morta-viva onde sobreviver é dançar sob o sangue, gritar sob o glitter e amar sob a luz dos corpos que insistem em brilhar.
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