quarta-feira, 19 de novembro de 2025

O Fim das Primeiras Vezes (El Fin de las Primeras Veces, México, 2025)


 “El Fin de las Primeras Veces” apresenta a chegada de Eduardo (Alejandro Quinta) a Guadalajara como um rito de passagem que mistura descoberta, desejo e uma juventude que começa a se ver livre das fronteiras da vigilância familiar. Aos 18 anos, vindo de uma pequena comunidade de Jalisco, ele se lança à cidade para prestar o exame da universidade, mas encontra algo muito maior que qualquer teste acadêmico, um repertório de experiências que inaugura sua vida adulta com suavidade e curiosidade.

Rafael Ruiz Espejo constrói sua estreia com uma atenção rara ao gesto e ao instante, permitindo que a improvisação guie a criação de personagens e atmosferas. Eduardo atravessa a metrópole como quem entra em um mundo paralelo, em um percurso que ecoa “Alice no País das Maravilhas”, encontrando figuras que lhe abrem portas para afetos, prazeres e pequenos abismos que fazem parte da formação de qualquer identidade que está germinando. Nada é grandioso, tudo é transformador. Mario (Carlos E. López Cervantes) surge como uma espécie de anfitrião improvável desse rito de passagem, alguém que descortina para Eduardo um território de liberdade que ele apenas intuía. Do encontro casual no banheiro nasce uma convivência imediata e calorosa, que o conduz para dentro de outra casa, outra família, outra forma de estar no mundo. Em poucas horas, Eduardo se vê aceitando convites que jamais faria em seu cotidiano rígido, movido por uma curiosidade que desgruda seu corpo das regras aprendidas e o empurra para experiências de prazer, afeto e pertencimento que ele mal sabia nomear.

O filme respira uma estética mutável que acompanha o próprio protagonista, começando pela inocência cálida da festa familiar, passando por espaços alucinantes como a loja de tatuagem e a boate, até alcançar tons de nostalgia que assinalam o fim desse ciclo iniciático. Essa variação cria um mosaico sensorial que traduz o modo como um jovem queer percebe o mundo quando está prestes a se reinventar, entre fascínio, confusão e encanto.

Ao escolher focar na leveza, Espejo se distancia de narrativas punitivas e apresenta uma identidade queer que floresce sem necessidade de justificativas. Eduardo se move pela cidade com uma curiosidade livre, descobrindo o desejo como algo natural e acessível, sem que o filme abandone a consciência dos riscos, mas sem transformar esses riscos em punição. O resultado é um retrato que transita entre o íntimo e o universal, permitindo que espectadores de diferentes contextos reconheçam essa travessia para o desconhecido.

“El Fin de las Primeras Veces” encerra seu percurso com uma sensação de retorno possível, como se cada encontro, cada toque, cada escolha vacilante tivesse reorganizado a forma como Eduardo se percebe no mundo. A jornada que começa como deslocamento geográfico se torna um processo de expansão interior, e o filme encontra sua força justamente ao acompanhar esse movimento com delicadeza, deixando que cada primeira vez reverbere no corpo e na memória do protagonista.


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