quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A Sapatona Galáctica (Lesbian Space Princess, Austrália, 2024)


“A Sapatona Galáctica” chega como um ar fresco e colorido no universo da animação adulta, escrita e dirigida por Leela Varghese e Emma Hough Hobbs, e protagonizada pela tímida mas determinada Saira (Shabana Azeez), que precisa atravessar a própria insegurança para resgatar a ex, Kiki (Bernie Van Tiel), das garras dos Straight White Maliens. O filme combina comédia, sci-fi e romance em 2D pop, e já se consagrou no circuito de festivais ao ser exibido em Berlim e ser a primeira animação a receber o Teddy Award, enquanto constrói um cânone queer que prefere a alegria à tragédia.

O roteiro abraça a lógica da magia e a reescreve em chave sáfica transformando a labrys real,  arma simbólica do universo do filme, em herança afetiva e política de Saira. A aventura tem gags visuais, referências a animes de "magical girls" como “Sailor Moon” e “Utena”, e uma vontade explícita de celebrar códigos queer, ao mesmo tempo em que discute autoestima e pertencimento.

“A Sapatona Galáctica” é um deleite cromático, com uma paleta que prefere o néon e o candy pop à paleta sóbria do realismo. A animação brinca com formas cartunescas e planos que reforçam o lirismo das cenas íntimas, sem perder o ritmo das sequências de ação. A direção de arte funciona em diálogo com a trilha, assinada em parte por Varghese, que intercala momentos folks e adesões pop, dando ao filme uma textura emocional que equilibra o riso e a melancolia.

Política e riso convivem de forma propositalmente desacomodada em “A Sapatona Galáctica”. Os antagonistas, chamados Straight White Maliens e encarnando uma crítica ao incelismo e ao ressentimento misógino, são tratados com uma mistura de demência cômica e diagnóstico social. A opção do filme por remediar agressões com conselhos queer e comédia é deliberada, e aponta para uma estética curativa que prefere reabilitar o universo narrativo do que transformar tudo em tragédia.


Há, claro, momentos em que a fórmula parece recorrer ao conforto, resolvendo conflitos com soluções narrativas relativamente fáceis, e essa doçura pode incomodar quem espera um ataque mais ácido às estruturas de poder. Ainda assim, a proposta de Hobbs e Varghese é outra: criar um refúgio lúdico que funcione como alternativa afetiva à escassez de representações alegres, e nesse exercício o filme acerta ao priorizar a reparação através do brilho, do humor, da animação e da solidariedade.


“A Sapatona Galáctica” se firma como uma fábula queer repleta de calor, uma obra que lembra que a visibilidade pode ser também festa, e que a revolução emocional pode começar com um gesto pequeno, uma risada compartilhada, um número musical. É um filme que sorri enquanto aponta feridas, que convida à celebração sem esquecer o trabalho de cura, e que expande o repertório de como se conta um amor lésbico heroico sem sacrificar o prazer.

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