Criada por Andy Parker e escrita por Dominic Colón, “Boots" adapta as memórias de Greg Cope White , e mergulha nas tensões de ser gay num espaço onde a masculinidade é regra e vulnerabilidade é fraqueza. A trama se passa no início dos anos 1990, quando ser homossexual nas Forças Armadas dos EUA era ilegal. Entre o cheiro de graxa, o som dos gritos de comando e o calor dos alojamentos, o jovem Cameron Cope (Miles Heizer), que vivia com sua mãe Barbara (Vera Farmiga) , aprende que, às vezes, sobreviver é uma forma de resistência.
Infelizmente, ele não está muito ciente do que está se metendo, e deveria, como o melhor amigo Ray (Liam Oh) sugeriu, ter assistido “Full Metal Jacket" em vez de reprises de “Golden Girls”. Quando os dois chegam a Parris Island, na Carolina do Sul, são arrastados para fora do ônibus para um inferno disciplinado, um sistema que transforma homens em máquinas e desejos em vergonha.
O tom é de comédia dramática, ácida, sensível e por vezes desconfortavelmente engraçada. O humor escatológico (sim, até as piadas com cocô) contrasta com a rigidez militar, como se o riso fosse um escape. “Boots” constrói uma crítica feroz ao militarismo e às normas de gênero que ele impõe: ser homem, ser forte, ser duro. Mas o que fazer quando esse corpo disciplinado deseja o toque que não pode ter? O resultado é um “Beau Travail" para adolescentes, com ecos de “O Recruta Zero”, que sabe rir da virilidade enquanto a desconstrói.
Ao longo da série, “Boots" expande seu campo de batalha para muito além da sexualidade de Cameron. A rigidez do treinamento revela um microcosmo onde gordofobia, xenofobia, rivalidade masculina, racismo e trauma se tornam armas silenciosas. O pelotão, com seus arquétipos é um retrato miniaturizado da sociedade americana: cruel, contraditória, e, às vezes, ridiculamente humana.
O enigmático Sargento Sullivan (Max Parker) surge como figura de poder e fascínio, guardando um mistério que se acumula em flashbacks. Sua presença é a lembrança de que o sistema militar também é um teatro de repressão e desejo. Nesse contexto, “Boots” se aproxima de “The Inspection” de Elegance Bratton, mas num registro mais POP. Conforme as tensões aumentam, o pelotão entra num surto coletivo. O acúmulo de testosterona e repressão explode em violência e desejo. A série não foge do que promete: há sexo gay, sim!
Enquanto isso, o olhar da atração se alarga para outras perspectivas: a Capitã Fajardo (Ana Ayora), primeira mulher a liderar uma companhia na base, enfrenta o machismo institucional com estoicismo e fúria contida. No meio desse caos disciplinado, uma irmandade começa a se formar, não pela obediência, mas pela partilha do medo. Cameron, que antes só enxergava suas próprias falhas, começa a perceber as injustiças que seus colegas enfrentam.
Esteticamente, “Boots” é ambígua: uniformes e suor, sol e angústia, dureza e desejo. A estética evoca “Beau Travail". Os rituais de treinamento físico tornam-se metáforas corporais de um sistema que molda homens à força, apagando suas singularidades. E a trilha sonora, Queen, Wilson Phillips, Bananarama, Oingo Boingo, L7, New Order, The Pandoras, Marcia Ball, ABBA, Talking Heads, Sade, Jane’s Addiction, Underground Solution, Iggy Pop e David Bowie, faz da atração uma ode sonora à rebeldia queer dos anos 90.
“Boots” não pergunta apenas o que é ser um homem. Pergunta o que é ser diferente num lugar que exige uniformidade. Cameron descobre que o verdadeiro campo de batalha é o corpo, e que a guerra mais difícil não é contra o inimigo, mas contra o próprio medo. Entre suor, lágrimas e ABBA, a série celebra algo raro: a coragem de se encontrar num ambiente que parece negar todas as formas de existência que não se encaixam.
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