A estética do filme é um mergulho direto no imaginário blaxploitation, evocando ícones como “Shaft” e “Foxy Brown” por meio da luz, do figurino e dos enquadramentos. É um cinema que carrega o corpo como afirmação cultural e política, ecoando também o afro-surrealismo que Yuri Costa mobiliza em sua filmografia. A trilha sonora reforça essa imersão com potência: Luiz Melodia em “Pérola Negra”, Milton Nascimento em “Pelo Amor de Deus” e Cassiano em “Onda” funcionam como guias emocionais que aproximam o público do calor e da melancolia desse universo. Nada é meramente decorativo, tudo é dramaturgia.
O filme abraça o terror como uma metáfora de fúria e ferida. Não se trata de monstros tradicionais, mas de espectros emocionais que se acumulam em corpos negros e queer historicamente marcados pelo apagamento. Ao transformar mágoa afetiva em atmosfera de horror, Costa se alinha a tradições politizadas do cinema negro, aproximando-se de obras de Marlon Riggs na forma como convoca estética e política como uma mesma força. O medo aqui é uma linguagem para tensões que nunca foram nomeadas, mas sempre estiveram presentes na experiência dessas comunidades.
A dimensão queer é estruturante e irredutível. O reencontro entre Carlos e Tony não é apenas uma história de amor interrompido, mas uma reencenação da violência simbólica que cerca corpos dissidentes dentro da própria cultura Black da época. O curta cria um romance que nunca escorrega para o melodrama fácil, priorizando camadas de desejo, culpa e sobrevivência.
O elenco sustenta essa densidade com força. João Pedro Oliveira constrói um Carlos inquieto, preso entre orgulho e ferida, enquanto Paulo Guidelly dá a Tony uma mistura de charme e melancolia, compondo um personagem dividido entre o que viveu e o que teme revisitar. Dandara Lorena, em participação de apoio, amplia o universo musical e espiritual que envolve a narrativa.
“E Seu Corpo é Belo” condensa em 24 minutos uma estética vibrante, uma crítica social contundente e um gesto de memória que devolve centralidade à vivência Black e queer. É um curta que afirma beleza como resistência e terror como linguagem política, criando uma obra que ecoa muito depois de suas últimas imagens.
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