terça-feira, 18 de novembro de 2025

Apolo (Brasil, 2025)


 “Apolo” nasce do encontro entre intimidade e urgência política. No longa que marca a estreia de Tainá Müller na direção, em parceria com Isis Broken, o cinema se aproxima da vida para acompanhar a gestação de uma criança e, ao mesmo tempo, a afirmação de uma família transcentrada que insiste em existir apesar das pressões externas. A câmera se aproxima de Isis e Lourenzo Gabriel, casal trans que enfrenta desde barreiras institucionais até os impactos cotidianos da transfobia.

É a partir da gestação de Apolo que o filme contorna debates ainda pouco representados na produção brasileira: paternidades trans, corpos grávidos que fogem da expectativa cisgênera e as dinâmicas familiares que emergem quando o mundo decide não reconhecer a legitimidade do outro.


Müller retorna às raízes audiovisuais que antecederam sua trajetória como atriz, recuperando uma sensibilidade poética que se mistura à observação documental em momentos de depoimento casualmente lembrando um videoclipe. Há algo de artesanal na maneira como o filme se constrói, acolhendo hesitações, pausas e momentos de intimidade com o mesmo cuidado com que registra os embates sociais que atravessam o casal. “Apolo” não se organiza em torno de um conflito dramático central, mas de um processo contínuo de afirmação,  um gesto político que passa pelo afeto, pela rotina e pelo desejo de construir um futuro possível.


Isis Broken, que divide a direção enquanto protagoniza sua própria história, costura o filme com um olhar de dentro. Sua presença articula a vulnerabilidade e a força de expor uma vivência que ainda sofre apagamento sistemático. Ao relembrar as dificuldades e o preconceito enfrentado pela família durante as filmagens, Isis reforça a dimensão coletiva do projeto: é um filme que assume a responsabilidade de visibilizar pautas urgentes, como maternidades e paternidades trans, e de ampliar o repertório de representações disponíveis no debate público.


A parceria com Lourenzo Gabriel, cujo corpo grávido é um dos núcleos simbólicos da narrativa, funciona como contraponto ao imaginário normativo construído historicamente em torno da gestação. “O pai está dando à luz e a sociedade não está preparada para isso” não é apenas uma premissa, mas o convite que o filme faz ao público: observar como um modelo familiar pode existir plenamente, mesmo quando tudo ao redor tenta questionar sua legitimidade.


Ao acompanhar a gestação de Apolo, o filme acompanha também o próprio parto de uma nova sensibilidade no audiovisual brasileiro. Uma sensibilidade que reconhece o afeto como parte da luta política e que enxerga na experiência trans não exceção, mas uma entre as múltiplas possibilidades de viver, criar e amar. Em seu todo “Apolo” é um documento importante, um filme que olha para o presente com franqueza e para o futuro com a coragem de quem sabe que família não é território de vigilância, mas de liberdade.

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