A diretora francesa Céline Sciamma foi premiada no Festival de Cannes pelo roteiro de Retrato de uma Jovem em Chamas, seu quarto longa-metragem, que também lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Facilmente considerada uma obra-prima, a produção destaca-se pela sensibilidade narrativa e estética impecável.
A trama transporta-nos para a França de 1770, onde Marianne (Noémie Merlant), uma pintora talentosa, é contratada para criar o retrato de Héloïse (Adèle Haenel), uma jovem recém-saída de um convento. O quadro será enviado a um pretendente em potencial, mas há um porém: Héloïse não pode saber que está sendo retratada. Assim, Marianne assume o papel de dama de companhia, observando-a em segredo.
Entre os rochedos varridos pelo vento, as duas começam a construir uma conexão especial. A cumplicidade cresce em conversas sobre o futuro e em silêncios compartilhados, enquanto o vento as obriga a cobrir o rosto com lenços, deixando apenas os olhos à mostra – olhares que, desde o início, carregam uma intensidade singular. A fotografia de Claire Mathon é deslumbrante, especialmente nas cenas à beira-mar, onde os tons naturais e a luz suave enaltecem a paisagem e os sentimentos que ali se desenrolam.
Marianne pinta às escondidas durante a noite, reconstruindo Héloïse fragmento por fragmento. É um processo árduo, pois a jovem raramente sorri, tornando difícil capturar sua essência. Quando finalmente revela o quadro, Héloïse desaprova o resultado, o que leva Marianne a queimá-lo. Decidida a posar abertamente, Héloïse se entrega ao olhar da artista, e é nesse momento que o amor entre elas começa a florescer. Com a breve ausência da mãe de Héloïse, a tensão sexual que pairava no ar se concretiza em uma relação marcada por cenas de erotismo sutil e delicado.
O filme é uma verdadeira obra de arte, cuja beleza reside nos detalhes: o som de Marianne tocando uma sinfonia ao piano, os traços suaves que delineiam o rosto de Héloïse, as pinceladas precisas de tinta, o cenário imponente dos rochedos. Premiado com o César de Melhor Fotografia, Retrato de uma Jovem em Chamas evoca a grandiosidade de um retrato barroco, com sua composição rica e expressiva.
A perspectiva exclusivamente feminina permeia cada aspecto da narrativa, inclusive ao tratar de temas como o aborto na sociedade do século XVIII. Repleto de metáforas e simbolismos, o filme culmina em um desfecho emocionante e brilhante, que deixa marcas profundas.
Ao assistir a essa obra, eu me vi completamente envolvida pela delicadeza e pela força das protagonistas. A maneira como Sciamma entrelaça arte, amor e liberdade me fez refletir sobre o poder dos olhares que cruzamos e das histórias que escolhemos contar. Para mim, Retrato de uma Jovem em Chamas não é apenas um filme – é uma experiência que ressoa na alma, como uma pintura que ganha vida a cada novo olhar.
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