Como ator Matheus Nachtergaele dispensa apresentações.A Festa da Menina Morta, coescrito com Hilton Lacerda, é a estreia poderosa de Nachtergaele como diretor, que desenha temas religiosos combinados com elementos profundamente subversivos.
A Festa da Menina Morta retrata a vida em uma pequena cidade ribeirinha nas profundezas da floresta amazônica, onde os moradores veneram Santinho (Daniel de Oliveira), um jovem que supostamente herdou poderes divinos e curativos de sua mãe, interpretada por Cassia Kis.
Diz a lenda que ela obteve tais habilidades depois de receber da boca de um cachorro o vestido esfarrapado e manchado de sangue de uma garota desaparecida. O filme culmina nas festividades dos 20 anos do evento, quando a menina morta consegue falar pela boca de Santinho diante de uma grande multidão que admira os trapos. O filme foi inspirado por um evento real semelhante, que Nachtergaele testemunhou durante a produção de O Auto da Compadecida(2000)
O filme tem notáveis e surpreendentes semelhanças com Psicose(1960) de Alfred Hitchcock, aqui temos Santinho tendo um caso incestuoso com seu pai (Jackson Antunes). Santinho é lunático, mal-humorado e obcecado por si mesmo, propenso a explosões violentas, às vezes carregadas de feminilidade. Assim como Norman Bates, Santinho personifica sua mãe morta: através do sexo com o pai,e Bates através do crossdresser.
Mas A Festa da Menina Morta é um filme genuinamente brasileiro em todos os sentidos. Nachtergaele abriu mão de elementos de suspense e misticismo em favor de um visual mais naturalista, pela fotografia de Lula Carvalho. Além disso, vários animais são mortos, e o grunhido de um porco morrendo pode ser ouvido diversas vezes ao longo do filme, tornando-o desconfortável e doloroso de assistir.
Tais elementos transgressores e subversivos são um pano de fundo adequado para o absurdo do fanatismo religioso. Nenhum ato incestuoso ou matança de animais é menos irracional do que a veneração religiosa de Santinho por seus seguidores. O filme procura ser um retrato íntimo dos envolvidos nesta seita e da infinita capacidade humana de “fabricar” a fé e buscar algum sentido na horripilante experiência da morte.
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