segunda-feira, 7 de março de 2022

Alta Fidelidade(High Fidelity, EUA, 2020)

Fazer a playlist perfeita é como viver: uma arte. E Rob Brooks, interpretada por Zoë Kravitz, está longe da perfeição, na série da Hulu, que brilhantemente, reinventa o filme de 2000, adaptação do romance de Nick Hornby, no qual John Cusack interpreta um dono de loja de discos egocêntrico 

As semelhanças entre o livro de Hornby, o filme dirigido por Stephen Frears, e a versão de streaming, criada por Veronica West e Sarah Kucserka, são bastante presentes, apesar da mudança de cenário e adaptação aos tempos modernos. Soa mais como um lindo e repaginado cover, do que como um remake.


Quando a série começa, Rob, que é dona de uma loja de vinis, no Brooklyn, em Nova York, está fazendo a lista dos cinco rompimentos mais traumáticos que pretende resolver. Entre eles estão a fashionista e influencer Kat Monroe(Ivanna Sakhno), o homossexual Simon (David H. Holmes), que acaba indo trabalhar com ela após se assumir, e o mais recente e ainda não superado Mac(Kingsley Ben-Adir).


A mudança de gênero reorienta inteligentemente a narrativa da série; sua protagonista agora, uma mulher negra e queer dita os termos do gosto e define a vibe da atração, mesmo que sua consciência de cultura pop seja quase inteiramente centrada em seu conhecimento vasto de música. Ela por exemplo, nunca ouviu falar em The Sopranos.


Ainda há Cherise(Da'Vine Joy Randolph), a funcionária hilária e temperamental da loja, que rouba vários momentos para si e o cara fofo Clyde (Jake Lacy), sempre pronto a socorrer a protagonista em alguns momentos. As noites no bar onde ela costuma ser DJ, fumando maconha, ao som de discos antigos, tem como trilha sonora uma playlist orgânica, clássica e atemporal.

Frank Zappa, Fleetwood Mac, Blondie, David Bowie, Prince, Marvin Gaye, Aura, Aretha Franklin, Dexi’s Midnight Runner, The Pointer Sisters, Céline Dion, Soft Cell, Frank Ocean, Stevie Wonder, Nina Simone, Janet Jackson e até Mutantes, são alguns dos nomes que embalam os momentos da protagonista e seus amigos.


Quando a série vai se aproximando de seu final, Simon, o personagem gay, que é um grande conhecedor de música, possui uma vasta coleção de camisetas de banda, ganha um episódio para chamar de seu: Ballad of the Lonesome Looser. Tão discreto quanto Cherise é escandalosa, ele acaba falando de seus próprios rompimentos traumáticos, sempre com o mesmo cara. Para dar o tom, o capítulo ainda mostra uma drag queen no karaokê, uma aula sobre o ícone da Disco Music Sylvester, beijos e um belo arco para o personagem, que de caricato não tem nada.


Alta Fidelidade está no seu melhor quando se envolve diretamente com o significado das atualizações que foram feitas na história. Em algumas sequências, Rob e Clyde vão ver uma coleção de discos sendo vendida por uma artista do Upper East Side como um ato de vingança contra o marido dela, interpretada pela perfeita Parker Posey.  É uma cena sobre como é amar a música em um território mais interessante e desafiador. Além de Posey, a lista de participações ainda inclui uma ponta impagável da icônica Debbie Harry.


A série é metade analógica e metade digital. Rob está constantemente em seu celular, checando e enviando mensagens. Mas quando ela está sozinha, seu modo preferido de ouvir música é pelo toca-discos. Ela também não é muito versada em mídias sociais; quando ela encontra o perfil do Instagram de sua ex, por exemplo, ela não entende o que significa a marca de seleção azul, talvez essa certa alienação seja para enraizá-la, de fato, na essência do vinil.


Zoë Kravitz quebrando a quarta parede é um grande motivo para acompanhar Alta Fidelidade. A atriz está equipada para telegrafar o tipo de vulnerabilidade e tristeza, que Rob exige e nos emocionamos quando sua luz do coração é acesa, a todo vapor, assim que ela vê uma cópia rara de The Man Who Sold the World, de David Bowie.


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