sexta-feira, 31 de março de 2023

Unicorn Wars(Espanha/França, 2022)


Tirem as crianças da sala. No mundo colorido e sombrio do ganhador do Goya, de melhor animação, Unicorn Wars, seguimos as aventuras de dois irmãos ursinhos de pelúcia: o malvado e ardiloso Azulín e o fofinho Gordi. Enquanto Gordi tenta ser amigo de todos, Azulín sonha com a glória e a beleza eterna, e sacrificará tudo para se tornar o urso profetizado que matará o último unicórnio. 

O diretor Alberto Vázquez brinca com a ideia do filme numa construção de pavor e narrativa de uma mitologia única. O realizador afirmou em entrevistas que teve três grandes influências para o filme: Bambi(1942), Apocalypse Now(1979) e a Bíblia. Surpreendentemente, ele conseguiu misturá-los muito bem, fazendo uma espécie de gore fofo.


O exército de ursos está em uma longa guerra com os unicórnios, que eles não conseguem vencer. Dizem que quem beber o sangue do último unicórnio ficará lindo para sempre. Um regimento de recrutas a priori incapazes de vencer fará uma incursão na Floresta Mágica para uma tocaia, mas suas tropas incluem Azulín, um ursinho invejoso e traiçoeiro.


O filme aborda muitos temas como a doutrinação militar de jovens, o fundamentalismo religioso, a maldade intrínseca e muita violência. E com tudo isso, a animação consegue criar e desenvolver seu universo particular em uma hora e meia.



O design é muito inspirado na cultura queer, com arco-íris sempre à mostra, mesmo em tripas, e símbolos LGBTIQA+, com desenhos e cores para todos os ursos e aplicados cheios de criatividade. Já os unicórnios, apresentam um visual mais solene, sua virtude é baseada em sua simplicidade. 


A história é um verdadeiro mergulho de pesadelo na sensibilidade ecológica e feminista, retratando filhotes de urso belicistas cujas vozes são exclusivamente masculinas enquanto os unicórnios são acompanhados por vozes femininas e lutam contra a agressão acima de tudo.


É uma mistura de Ursinhos Carinhosos com Holocausto Canibal(1980). Alberto Vázquez, depois da seu primeiro longa de animação Psiconautas (2015) corealizada com Pedro Rivero, continua a história do curta Sangre de Unicornio (2013) onde já se falava de uma guerra entre filhotes de urso e unicórnios.

Se o cinema espanhol há muito se destaca pela mestria do terror, esse terreno ainda havia sido pouco explorado pela animação. A fábula ecológica compartilha muitas questões com os filmes do Studio Ghibli, com uma abordagem resolutamente iconoclasta com o objetivo de sensibilizar através de figuras da infância.


quinta-feira, 30 de março de 2023

Love Ballroom(Port Authority, EUA/França, 2019)

Em Port Authority, quando Paul(Fionn Whitehead), um garoto de 20 anos, chega sem rumo à Nova York, e é rejeitado pela irmã, ele acaba ficando em uma casa de acolhimento à noite e trabalhando para serviços de deportação durante o dia. Martin Scorsese está na produção executiva.

Desejando algo mais, uma noite ele tropeça em um salão de ballroom onde conhece Wye(Leyna Bloom), uma jovem trans. Tomado por sua calma, beleza e gentileza, Paul aos poucos vai se apaixonando por ela, apesar da clara transfobia do homem que atualmente o sustenta. À medida que se aproximam, o relacionamento deles começa a ameaçar a pouca estabilidade que ele tem.


Leyna Bloom, uma ex-dançarina de balé, é uma estrela em ascensão. Como Wye, ela traz uma luz feminina ao filme. Como Paul, damos um suspiro de alívio quando ela está na tela, pois sua presença equilibra perfeitamente a atuação de Fionn Whitehead. 


Enquanto a roteirista e diretora Danielle Lessovitz mantém a história na perspectiva de Paul, ela consegue gerar alguma polêmica por fazê-lo, mas mostra que é possível  escrever personagens de demografia marginalizada, mesmo que eles não sejam o foco principal.


Lessovitz nos mostra um lado fundamentado e realista da cultura ballroom, os bailes, as coreografias, o acolhimento, a mãe drag vivida por Christopher Quarles. É um território familiar para quem conhece a série Pose ou até Paris is Burning(1990), mas não é um filme queer estereotipado, é um retrato honesto de uma das muitas cores em que o amor aparece.

No entanto, a diretora, que aqui assina um impressionante primeiro filme, não se contenta em descrever esta comunidade cultural. Ela coloca sua câmera em rostos que falam da dureza da existência. Mas esses corpos também traduzem, por meio de sua arte, o voguing, o próprio princípio da resiliência.


A música é uma personagem à parte, nesta crônica agridoce de uma Nova York  de desencanto e esperança, Ela fornece as batidas para seus personagens ‘voguearem’ e oferece vida a esta comunidade de jovens negros LGBTQIA+, cuja luta é tanto a que dá substância à sua fraternidade, como um refúgio de tolerância.


A maravilhosa estética luminosa de Nova York, fotografada por Jomo Fray, ajuda o filme a atingir um nível de autenticidade visual. Os melhores filmes em NY fazem da própria cidade um personagem , este não é exceção. Os metrôs, as esquinas e as escadas de incêndio parecem extensões dos protagonistas.



quarta-feira, 29 de março de 2023

Punch(Nova Zelândia, 2022)

A estreia em longa-metragem de Welby Ings, indicado ao Oscar por seu curta Boy é uma história de amadurecimento muito convincente que acerta como um soco. Situado na zona rural da Nova Zelândia, e estrelado pelo britânico Tim Roth, o filme é um conto de como a homofobia de uma pequena cidade combinada com a xenofobia pode ter consequências explosivas.

Jim Richardson (Jordan Oosterhof) tem treinado para sua chance de se tornar um boxeador profissional durante toda a sua vida em Punch. Seu pai Stan (Roth) o pressiona desde criança. Este é o sonho de ambos, mesmo que às vezes pareça mais com Stan do que com Jim. 


Jim é um adolescente que está crescendo, explorando e aprendendo sobre si  mesmo. Ele não pode se concentrar apenas no boxe, há mais no mundo. Ele tem interesse em fotografia, música e vídeos. Durante esse período de autodescoberta, Jim conhece Whetu (Conan Hayes), um Maori nativo, abertamente gay, que é ridicularizado e condenado ao ostracismo por isso. Os dois amadurecem juntos com Whetu ajudando Jim a perceber quem ele realmente é e a aceitar sua sexualidade.


Jim terá que lidar com seus sentimentos crescentes por Whetu, a pressão dos sonhos de seu pai para seu futuro e as demandas de todas as várias pessoas da cidade que querem definir o homem que ele se tornará.


Ings baseia-se na experiência pessoal e nas de pessoas próximas a ele para o filme. Isso adiciona um nível de realismo aos personagens e suas jornadas. O cineasta emprega tomadas únicas, enquadramentos e closes para tentar estabelecer uma conexão mais profunda com os atores. A cinematografia, de Matt Henley, é atmosférica e linda e eleva o filme, especialmente nas cenas que Whetu e Jim passam juntos. 


Punch é uma história focada em dois relacionamentos envolvendo três homens, Stan, Jim e Whetu. A relação entre pai e filho e o romance entre dois jovens. Esses três personagens não são apenas centrais para o filme, mas são o filme.  Ao lado do veterano Roth, os jovens atores mostram uma gama de emoções de forma gritante e com pequenas sutilezas transmitidas com perfeição.




terça-feira, 28 de março de 2023

Bruno Reidal, Confissões de um Assassino(Bruno Reidal, França, 2021)


Bruno Reidal, de Vincent Le Port, é o personagem homônimo (Dimitri Doré), baseado em um adolescente da vida real que, em 1905, aos 17 anos, decapitou um vizinho de 13 anos em um pequeno vilarejo na região de Auvergne-Rhône-Alpes, no sudeste da França. É difícil. É chocante. É perturbador.


É quase como se esse assassino fosse produzido pelas teorias psicológicas emergentes de sua época. Bruno até fundamenta seu próprio deslocamento do desejo sexual em atos de violência em um tipo perverso de cena de abertura.


O filme explora os arquivos e documentos forenses do caso Bruno Reidal compilados pelo Doutor Alexandre Lacassagne(Jean-Luc Vincent). A história sórdida atinge o alvo, em parte pelo acesso à psique de um sociopata obcecado com a ideia de matar, mas principalmente porque as confissões são muito reais e absolutamente incômodas.


Há também uma inevitabilidade nítida na ação, desde a masturbação quase involuntária de Bruno sempre que ele imagina ou testemunha a brutalidade, até a eventual descrição explícita do assassinato em si, ou seus momentos de observação aos corpos de outros garotos durante sua passagem pelo seminário.


Com o subtítulo Confissões de um Assassino, o filme trata de duas formas diferentes de confissão: o rito católico que resulta na expiação dos pecados de alguém e a auto identificação às autoridades. Como mostra o impiedoso Bruno Reidal, nenhum dos dois tipos pode explicar o mal que os humanos são capazes.

Bruno Reidal conseguirá desconcertar com sua abordagem fria e muito textual, e é, como o próprio título sugere, a confissão de um assassino. Através da exploração de sua infância, aprendemos como Reidal viveu toda a sua vida com uma obsessão por assassinato, e somos alimentados com todos os seus pensamentos sombrios. 


Juntamente com o hábil trabalho de câmera de Le Port e a fotografia deliberadamente branda, de Michaël Capron, o filme revela o jovem Dimitri Doré, indicado ao César, que personifica perfeitamente Reidal em todas as suas contradições. Sentimos seu desgosto entre querer fazer bem as coisas e satisfazer seus desejos. Ele é mentalmente torturado em uma sociedade presa entre diferentes normas de disciplina, punição e sexo. 


A abordagem intransigente aos pensamentos, experiências e lutas psicológicas de Reidal é ousada. O olhar do diretor para os detalhes é impressionante, seja por meio de sua requintada recriação da França, do início do século XX, ou da pobreza no coração da vida rural de Reidal. O cineasta disseca as memórias com precisão cirúrgica desde um infeliz  abuso sexual na infância até seu isolamento e sentimento de inferioridade. 

segunda-feira, 27 de março de 2023

Les Amandiers(França/Itália, 2022)

A cineasta Valeria Bruni Tedeschi tem um tom autobiográfico, conhecemos agora o universo artística da filha de família rica, irmã de Carla Bruni, a adorável, desajeitada e com tendência à histeria suave, que ela aperfeiçoou para si mesma no cinema francês.

O filme gira em torno de seu tempo na escola de atuação de Patrice Chéreau, em Nanterre, no Théâtre des Amandiers. É ambientado em meados da década de 1980, onde havia o entusiasmo juvenil pelo teatro e total devoção à atitude perante a vida.


Eles são chamados a representar uma obra de Anton Chekhov, e o filme acompanha os desde as audições que apoiam para entrar na escola até ao momento da representação, passando por uma visita ao lendário Actors Studio, em Nova Iorque .

Nadia Tereszkiewicz está sensacional como Stella, o alter-ego da diretora. Ela traz a personalidade de atuação de Valeria Bruni Tedeschi para a tela de forma tão convincente que às vezes quase doí. 


Ao longo do filme vemos aos ensaios da peça, mas também às várias aventuras pessoais e, sobretudo, sentimentais de vários dos componentes do elenco teatral, incluindo o amor entre Stella e outro dos atores, Etienne(Sofiane Bennacer),viciado, afetado pelo complexo de Édipo e também com tendências abusivas.


Há um tom de homenagem ao falecido Patrice Chéreau, o que não é de forma alguma exagerada ou caricata. Louis Garrel o interpreta com muita seriedade, temperamento explosivo e, às vezes, hilariantemente desajustado.


Na fotografia de Julien Poupard, close-ups extremos, detalhes, uma câmera de mão e imagens que lembram os filmes dos anos 80 nos ajudam a entrar no mundo dessa trupe, em seus olhos e em seus corações, e especialmente no segundo ato, no tumulto daquela época em que tudo parecia ser o mais importante e cada emoção vivida parecia única e irrepetível.



sexta-feira, 24 de março de 2023

Enxame(Swarm, 2023)

Ícones pop fazem parte da cultura queer. Enxame, criada por por Donald Glover e Janine Nabers.  dá uma ideia até onde os fãs podem ir com a empolgação e o fanatismo por seus ídolos. A série, dá Amazon Prime, joga bastante merda no ventilador.

 Dominique Fishback estrela a série como Dre, uma solitária de 20 e poucos anos com uma vibração infantil que é obcecada por duas coisas, uma estrela pop chamada Ni'Jah e sua melhor amiga Marissa. Interpretada por Chloe Bailey, Marissa parece tolerar Dre mais do que amá-la. 


Dre precisa de Marissa, mas ela precisa ainda mais de Ni'Jah. Ela passa horas em seu telefone, esperando qualquer notícia da diva, apenas ouvindo suas música e, claro, verificando as redes sociais para ver o que todos estão dizendo sobre a estrela.

Ela twitta de uma conta de um grupo chamado enxame. É uma maneira de Dre permanecer na felicidade do passado, uma época em que ela e Marissa eram realmente próximas e uma época em que ela descobriu Ni'Jah.


A atração é claramente inspirada por Beyoncé e seus fãs, os Beyhive. Os criadores vasculharam manchetes, eventos e mídias sociais reais e os incluíram no roteiro para colocar Dre nessas histórias.


Dre eventualmente leva seu amor pela cantora longe demais. Dominique Fishback está sensacional e  pode ter solidificado sua carreira. Dre tem muitas camadas e a atriz consegue explorar cada uma.


Há uma boa parcela queer aqui. Dre é claramente bissexual. Billie Eilish, em sua estreia como atriz, interpreta uma líder de culto de olhos brilhantes. Ainda há participações da herdeira do Rei do Pop, Paris Jackson e Rory Culkin.


Enxame é uma boa série satírica de horror com sangue, mortes bizarras e momentos mais sérios, como um episódio no estilo Investigação Discovery.  Definitivamente foi criado para iniciar conversas sobre a toxicidade da cultura POP,  Beyoncé, obsessão e sobre amizades. 




quinta-feira, 23 de março de 2023

All Kinds of Love(EUA, 2022)

All Kinds of Love é uma comédia romântica, escrita e dirigida por David Lewis, sobre um casal, Max (Matthew Montgomery) e Josh (Steve Callahan), que se divorciam no momento em que a Suprema Corte,decide sobre o casamento igualitário, em 2015, quando todos homossexuais estão casando. 

Eles se separaram porque Josh quer um relacionamento aberto, mas isso não é algo que Max pode aceitar. Max acaba saindo de casa, já que Josh está sempre trazendo homens, incluindo o sexy policial Pete (Spike Meyer), que também é stripper.

O protagonista acaba dividindo um lugar com um colega de quarto muito mais jovem, o programador nerd Conrad (Cody Duke). Max está prestes a completar 40 anos e é bem diferente de Conrad, que tem apenas 25, mas os dois logo encontram um senso comum e desenvolvem um laço.

O sexo não é instintivo. Ele acompanha a narrativa, Os personagens falam sobre suas inseguranças e trabalham com elas em voz alta, sem um momento de julgamento ou demérito. Nenhum dos homens tem vergonha de sua nudez frontal.


Enquanto isso, o relacionamento dos pais de Max, Timothy (Nick Salamone) e Lila (Molly O'Leary), também ocupa um lugar bastante significativo. A dinâmica da relação a três  discute repetidamente algumas das tensões, alegrias e preocupações exclusivas de seu relacionamento, como ciúme de outros parceiros em potencial e o desejo de Drew (Mark Nordic) de se sentir parte da família. Também conhecemos Trey (Marval A Rex), que é um homem trans e está em uma fase de namoros com muitos homens.


All Kinds of Love realmente faz jus ao seu nome, retratando o amor de maneiras raramente vistas em comédias românticas, e não apenas porque os protagonistas são ambos homens. Por meio de algumas composições o longa  afirma as diferentes maneiras pelas quais relacionamentos saudáveis ​​e amorosos podem parecer apenas uma coisa normal.


O filme mostra um grupo diversificado de personagens queer e não se conforma a nenhum estereótipo estabelecido. O cenário de uma pequena cidade nos EUA é acolhedor e os personagens não têm vergonha de esconder o que há de diferente em si mesmos. 

quarta-feira, 22 de março de 2023

Os Anjos Ignorantes(Le Fate Ignoranti, Itália, 2022)

Vinte anos depois o cineasta ítalo-turco Ferzan Ozpetek volta ao universo de seu filme mais amado e notável Le Fate Ignoranti, no formato de uma série episódica Os Anjos Ignorantes, lança uma perspectiva macro e atual da obra, de 2001.

Quando Massimo (Luca Argentero) morre em um acidente, Antonia (Cristiana Capotondi) descobre que seu marido estava tendo um caso com um jovem, Michele (Eduardo Scarpetta). Assim, viajando pela vida secreta do marido, a mulher conhece Michele e seu círculo de amigos, quase como uma segunda família para ele.


A novidade mais importante, aquela sobre a qual Ozpetek constrói toda a narrativa da série, é o novo Michele. Eduardo Scarpetta é bem diferente de Stefano Accorsi: tem uma beleza mais bruta, mais descarada, e isso se reflete no caráter do personagem, mais robusto e exuberante. O ator napolitano, que é descendente de atores e dramaturgos famosos, começou a atuar com seu pai Mario Scarpetta no teatro desde os nove anos de idade.


Um mundo se move ao lado dos três protagonistas, aquela família extensa de afetos, não de sangue, que povoam as mesas dos filmes do diretor. A personagem de Serra Yilmaz, a única do filme, atriz fetiche de Ferzan Ozpetek, é quem comanda o grupo. Nesta família também está um casal de lésbicas , interpretado por Ambra Angiolini e Anna Ferzetti.


Nos detalhes vemos os sinais dos tempos, porque há vinte anos, especialmente na conservadora Itália, este casal de mulheres não poderia estar casado, e nem sonharia em ter um filho. Ferzan Ozpetek bate insistentemente nessa tecla das mudanças positivas no país.


Todas as marcas registradas do realizador ainda funcionam muito bem. Como os almoços de domingo, os banhos de sol, as panorâmicas gastronômicas e o ambiente de convívio e descontração. Mas o que importa é que a história de Os Anjos Ignorantes  ainda faz sentido hoje. Se Ferzan Ozpetek parecia já ter dito tudo sobre seu discurso sobre sexualidade, nesta série ele parece ter retornado com uma mensagem viva e poderosa sobre a liberdade.


Os oito episódios de Os Anjos Ignorantes descrevem em detalhes inúmeras situações que não foram vistas no original, especialmente a vida dos amigos de Michele, focando em todos os aspectos dos personagens e sua evolução. Há mais destaque na trama de Vera (Lilith Primavera), uma mulher trans, com os pais, que ainda não conseguiram aceitar sua transição. 


Os Anjos Ignorantes é um culto LGBTQIA+, que expande a narrativa do filme original, focando nos aspectos de seus maravilhosos personagens, e mostrando as mudanças na sociedade italiana nos últimos vinte anos em termos de direitos civis à identidade e inclusão de gênero.





terça-feira, 21 de março de 2023

Regra 34(Brasil, 2022)

Simone(Sol Miranda), uma jovem estudante, leva uma vida dupla. Durante o dia ela se prepara para exercer a advocacia, enquanto à noite, em casa na frente do computador, ela complementa sua renda sendo uma cam girl e se despindo ao vivo. 

O filme, de Júlia Murat, ganhador do Leopardo de Ouro, no Festival de Locarno 2022,  pega um caminho duplo que se torna mais complexo ao longo do tempo, em ambas as áreas: profissionalmente, Simone começa a se interessar pelos casos de mulheres vítimas de abuso; no privado, porém, o universo do sadomasoquismo torna-se cada vez mais intrigante, com a ajuda de alguns amigos já imersos naquele mundo.


É marcante a interpretação de Sol Miranda, uma atriz em sua primeira experiência diante das câmeras que dá a Simone uma performance matizada onde tudo vem à tona, principalmente emocionalmente. 


Regra 34  é um filme onde o racional e o apaixonado se encontram encenando uma viagem introspectiva em nome da sexualidade e dos direitos das mulheres, e que se junta ao componente político ligado ao racismo no Brasil.



A abordagem do enredo é arriscada, e também não deixa de ser didática, mas por sua dualidade certamente não isenta de criar polêmica tanto na sociedade em geral quanto nas diversas correntes do feminismo.


Além disso, a perspectiva se completa com a especial e peculiar relação poliamorosa que Simone mantém com sua amiga e com Coiote(Lucas Andrade) um jovem bissexual cúmplice em seus turbulentos relacionamentos.


A abordagem decididamente corajosa do filme é notável, não apenas nas cenas realistas filmadas muitas vezes em close-up, mas também na poderosa mensagem independente por trás de Regra 34.

Regra 34 é um filme provocativo sobre as relações humanas onde o sexo, até mesmo através da música, tem grande poder de questionar o patriarcado. O perfil da protagonista Simone, está bem desenhado para provocar reflexão e polêmica.


segunda-feira, 20 de março de 2023

El Houb - The Love(Países Baixos, 2022)


Quando o empresário Karim (Fahd Larhzaoui) está acordando com seu namorado Kofi (Emmanuel Boafo), seu pai Abbas (Slimane Dazi), que trabalha como carteiro, aparece de repente na porta. Ele e sua família, originária do Marrocos e morando na Holanda, são muito conservadores e religiosos. O fato do próprio filho ser gay dificilmente será aprovado. Na verdade, tentar falar com Abbas e sua esposa, Fatima (Lubna Azabal), acabará sendo bastante difícil.

Ele visita a casa de sua família e tenta falar sobre sua homossexualidade. Eles não sabem como reagir e estão preocupados com as opiniões de sua comunidade muçulmana densamente povoada e unida. A resposta deles é se recusar a discutir qualquer coisa e Karim é forçado a tomar medidas bastante incomuns para quebrar sua cultura arraigada de silêncio, que inclui se mudar para o depósito da família por dias, a menos que eles concordem em falar com ele.


Existem riscos em trabalhar num território familiar, mas o diretor e roteirista Shariff Nasr, que apresenta sua estreia no cinema, não se limita a criticar e compartilhar acusações sobre homofobia. Ele faz uma abordagem mais diferenciada, tanto em termos dos personagens quanto de suas relações uns com os outros. Ele tenta desvendar a caótica vida emocional de seu protagonista e mostrar como toda a família é influenciada por experiências.


Em vez de proceder cronologicamente e, assim, seguir a história de vida de um homem gay desde o início até a saída do armário, o drama holandês salta loucamente no tempo. Isso combina bem com um filme que trata essencialmente de trazer clareza a uma vida que aconteceu em segredo e foi caracterizada por incertezas. 


O longa mostra que, por mais difícil que possa parecer às vezes, pode haver uma alternativa ao sofrimento em silêncio dentro de uma família. Uma verdadeira história de amor, em todos os sentidos da palavra. Com nuances e compaixão, El Houb apresenta um tipo diferente de narrativa e de revelação.


Baseado vagamente na vida de sua própria estrela, Fahd Larhzaoui, o impulso principal de El Houb se desenrola durante a ocupação de Karim e as conversas francas com seus pais e irmão que seguem, com flashbacks intercalados de sua maioridade, seu encontro romântico com seu parceiro, e um momento particularmente memorável da infância.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Amar sin Miedo/Love without Fear(México/EUA, 2022)


Amar Sin Miedo/Love Without Fear, de Juan Frausto, é uma história romântica e sexy sobre Josh (Andres Roma) e sua autodescoberta na cidade de Taxco, no México, bem como uma descrição íntima de dois homens de diferentes partes do mundo que inesperadamente são atraídos um pelo outro. Quando Josh, em uma viagem com a namorada, conhece o músico Leo(Alejandro Belmonte), sua vida muda.


O filme é um romance por meio de seus diálogos, paisagens e momentos sedutores. É um conto de amor que não diferencia entre sexualidade, mas centra-se no espírito humano e na vulnerabilidade ao amor.


O longa revela um equilíbrio honesto na balança entre a heterossexualidade e a bissexualidade e as escolhas difíceis que as pessoas fazem. O que no início são dois casais heterossexuais apaixonados, Josh e Ramona(Rosa Frausto), e Leo e Solimar(Carmen Baqué), não tarda para ganhar novas configurações.

Apesar de toques de novela mexicana, Solimar, por exemplo, é uma estrela da TV, o filme é uma história de amor que é calorosa, engraçada e às vezes séria. Tanto Josh quanto Leo são duas pessoas genuínas que, por acaso, se deparam com a emoção mais cobiçada do mundo: o AMOR. 


Claramente independente, o filme explora as locações de Taxco, Guerrero, o que lhe garante uma estética natural, além do corpo do ator mexicano Alejandro Belmonte, de Quatro Luas(2014), bastante enquadrado. Apesar de algumas pieguices, o diretor explora a bissexualidade e oferece um final surpreendente, ainda que pouco crível. 


Baloney(EUA, 2021)

Baloney, de Joshua Guerci, é um documentário descontraído e comovente sobre o famoso espetáculo masculino de San Francisco com o mesmo nome. Baloney é um show ao vivo que envolve dança, teatro, burlesco e strip-tease. O cineasta segue principalmente os parceiros de vida Michael Phillis e Rory Davis enquanto eles dirigem e realizam shows que celebram a experiência gay e queer.

Animado, e sexy, o documentário abre com Michael Phillis, o diretor e cofundador da Baloney. Ele explica como criou o espetáculo com a intenção de contar histórias significativas sobre a experiência queer. 


Phillis dirige e Rory Davis coreografa todas as apresentações. Juntos, eles esperam criar um show que não apenas envolva e estimule o público, mas também retrate a libertação de ser assumido e expressivo sobre a identidade sexual.


Enquanto Phillis e Davis são os principais entrevistados, Guerci reserva algum tempo para cada artista compartilhar suas histórias. Por meio da mistura de perspectivas, o diretor explora como os performers percebem os relacionamentos, armário, masculinidade e o impulso artístico de atuar a todo custo. 



Ao documentar seus ensaios e processo criativo, o cineasta captura muito bem quanto tempo e esforço são gastos em cada produção. Phillis quer que todos se divirtam, mas também quer fazer um bom show. 

O show burlesco, ironicamente, não é totalmente masculino nem totalmente gay. Apresenta uma pitada heterossexual e uma mulher em meio a um mar de homossexuais. No entanto, Baloney é, hilariamente, um dos espetáculos mais descaradamente extravagantes da América.


A história por trás de Baloney é realmente um pouco complicada, já que Phillis compartilha a gênese em entrevistas. Ele relembra os desafios de encontrar um trabalho seguro, significativo e que quebrasse paradigmas na cena teatral de San Francisco. 


Guerci também passa muito tempo com os artistas para aprender suas histórias. Ryan Patrick, por exemplo, fala sobre sua carreira comparativamente lucrativa como profissional do sexo. 


Da mesma forma, o performer Pablo Escobar, disseca os rótulos “gay” e “queer” para constatar sua preferência pelo último. O show, em última análise, capacita representações mais amplas de expressão de gênero e encontra mais a dizer na comédia e no burlesco do que em alguns dos dramas mais sérios.




quinta-feira, 16 de março de 2023

Cidadãos Preocupados(Ezrah Mudag, Israel/ 2022)


Cidadãos Preocupados é um intenso drama israelense. Ben (Shlomi Betonov) e seu parceiro Raz (Ariel Wolf) se mudam para um belo apartamento cheio de luz em uma área promissora no sul de Tel Aviv. O local é vibrante e multicultural, mas tem suas questões sociais. Ben e Raz estão otimistas sobre seu futuro e estão ocupados trabalhando e planejando ter um filho por meio de uma mãe de aluguel. 

Ben muda seu ambiente não apenas por meio de seu trabalho, sendo responsável pelo projeto arquitetônico do conjunto habitacional modernizado e gentrificado do futuro, que substituirá as zonas pobres, mas também de uma forma mais literal e simbólica, plantando uma árvore jovem e frágil na rua. 


Uma noite, ele vê um casal de imigrantes eritreus conversando nervosos perto da árvore com um deles casualmente puxando a árvore para frente e para trás enquanto fala. Ele chama a polícia. Para seu horror, a polícia chega e espanca desnecessariamente o jovem até quase morrer. Isso desencadeia uma onda de sentimentos de culpa em Ben que muda sua vida.


Escrito e dirigido por Idan Haguel, Cidadãos Preocupados é um comentário interessante sobre os valores da classe média urbana. Ben quer que seu filho cresça em um bairro multicultural, pluralista e diversificado, mas quão mente aberta ele realmente é?


A culpa de Ben e a turbulência subsequente desencadeiam muitas emoções, incluindo negação, raiva e frustração. Este é um filme forte e instigante. Ben e Raz são lindamente retratados pelo casal da vida real Betanov e Wolf, cuja química de relacionamento de longo prazo complementa o filme enquanto Ben busca expiação. A angústia silenciosa do protagonista é particularmente bem representada.  Os imigrantes na tela são verdadeiros refugiados do Sudão e da Eritreia


A maioria dos filmes que abordam o tema da gentrificação ou se concentra na perspectiva das vítimas ou relega o tema a segundo plano. Aqui, Idan Haguel abre um caminho completamente novo, jogando com uma mistura de melodrama, comédia ácida e cinema socialmente envolvido.


O longa acontece na forma de uma sátira realista que equilibra habilmente entre maldade e seriedade e nunca se desvia do caminho. Era importante para Haguel não contar a história do ponto de vista da vítima, mas do ponto de vista do 'perpetrador', ou seja, do ponto de vista dos brancos e privilegiados, algo que muitos cineastas costumam evitar.



quarta-feira, 15 de março de 2023

Lonesome(Austrália, 2022)

No longa, de Craig Boreham, fugindo de sua complicada vida no campo e de um escândalo opressivo, o jovem cowboy Casey (Josh Lavery) foge para se redescobrir. Casey pega carona até que finalmente chega a Sydney; uma espécie de espírito livre, ele invade uma festa para carregar seu telefone e comer grátis. 

Na metrópole ele faz sexo anônimo e rouba bebida ao longo do caminho. Eventualmente, em um ménage, ele conhece Tib (Daniel Gabriel), que parece muito mais organizado. Mas ele também carrega seus demônios. 


Desde o início, o espectador tem uma sensação imediata da solidão esmagadora e da culpa que paira sobre Casey como uma nuvem negra. Quando ele sonha, se imagina totalmente nu em um campo aberto exuberante, imagens que continuam a se repetir por toda parte. 


Sem ter onde ficar, Tib oferece Casey para se mudar temporariamente e dormir em seu sofá. Ambos esconderam segredos e traumas um do outro, e a vida familiar de Tib parece complicada. Eles se unem e permanecem conectados por meio de seus apetites sexuais insaciáveis. Claro, como qualquer outro romance, existem obstáculos que ameaçam destruir o que está florescendo.


O diretor Craig Boreham tem uma visão clara que parece totalmente realizada de uma forma que poucos dramas indie realmente fazem. A narrativa que está sendo contada pode não parecer particularmente nova, mas a especificidade de centralizá-la na cultura de Sydney e na intimidade do clima e do estilo de filmagem é cativante.


Lonesome entende bem os mecanismos do ecossistema Grindr e como ele pode sugar os usuários para um buraco negro de confiança, desconfiança e possíveis e ultrajantes perigos. Os momentos eróticos do filme são tão bem coreografados que estão entrelaçados aos elementos dramáticos da história. As cenas de nudez frontal masculina são filmadas e apresentadas com a estética de uma revista de arte.


terça-feira, 14 de março de 2023

Blue Jean(Reino Unido, 2022)

Blue Jean é o longa de estreia da roteirista e diretora britânica Georgia Oakley. 1988, a Inglaterra e o governo conservador de Margaret Thatcher estão prestes a aprovar uma nova legislação controversa que estigmatizará a comunidade gay e lésbica. A infame seção 28 tornava ilegal que as escolas ‘propagassem’ a homossexualidade.

Jean(Rosy McEwan) é professora de educação física do ensino médio e lésbica. Enquanto ela passa as noites feliz com sua namorada Viv (Kerrie Hayes) ou festejando em um bar sáfico de Newcastle, sua vida é cuidadosamente segregada, escondendo sua privacidade na escola e em torno de sua família, ela teme que sua sexualidade possa custar seu emprego.


As coisas pioram para Jean quando uma nova aluna, Lois (Lucy Halliday), aparece no mesmo bar gay uma noite, misturando os dois mundos que Jean está tão desesperada para manter isolados. Em vez de ajudar essa alma solitária a sobreviver aos valentões da escola, ela se volta contra Lois, desesperada para manter sua fachada profissional.


Oakley usa brilhantemente a mídia em Blue Jean para vincular uma história pessoal simples a uma questão social mais ampla. O mundo de Jean parece claustrofóbico quando ela é bombardeada pelos meios de comunicação dizendo que há algo errado com ela, que sua vida é perigosa ou inaceitável. 


O filme joga com benevolência em bares queer como espaços de convívio, amor e sexo lésbico como terno e apaixonado. Ainda assim, Jean internalizou o sentimento de vergonha imposto a ela pelo governo conservador, sucumbindo à auto aversão e às noites sem dormir. Enquanto Viv é linda em sua masculinidade descarada, Jean ainda está lutando para navegar neste mundo que não foi projetado para sua felicidade

É uma performance central fantástica de Rosy McEwan, indicada ao BAFTA, que leva o público a uma poderosa jornada emocional. Quando a situação em sua escola chega ao auge, o resultado é genuinamente angustiante, ainda mais difícil de suportar pelo roteiro inteligente de Oakley.

A fotografia, de Victor Seguin, é fria, próxima, pessoal, contrastando o brilho azul sombrio da angústia pessoal de Jean com o calor vibrante e neon da comunidade queer, onde o amor e o riso são trilha sonora de sucessos dos anos 80 que enchem a pista como o clássico Blue Monday, do New Order.


Com um estilo nítido e um olho afiado para detalhes de época, estamos imersos na perniciosa Grã-Bretanha. de Thatcher , sua crueldade e intolerância persistente são lançadas na tela, ainda que para se desfazer, mas não totalmente. O uso de reportagens de arquivo da BBC sobre a introdução e o debate em torno da cláusula 28 também aumenta a autenticidade da produção.