Quando vi Memoir of a Snail, dirigido por Adam Elliot, não estava preparado para o turbilhão de emoções que me envolveria. Este filme, uma tragicomédia animada em stop-motion, me levou pela mão através da vida de Grace Pudel, uma mulher melancólica e solitária dublada com uma profundidade dilacerante por Sarah Snook. Desde o primeiro fotograma, ambientado na Austrália dos anos 70, soube que estava diante de algo especial: uma história que não teme mergulhar nas sombras da dor humana, mas que também encontra luz nos cantos mais inesperados. Elliot, conhecido por seu curta vencedor do Oscar Harvie Krumpet e pelo inesquecível Mary and Max, retorna com uma obra que reafirma seu gênio para contar histórias de outsiders com uma mistura única de humor ácido e ternura.
A trama segue Grace, uma menina que cresce ao lado de seu irmão gêmeo Gilbert (Kodi Smit-McPhee) sob os cuidados de seu pai Percy (Dominique Pinon), um ex-malabarista francês, paraplégico e alcoólatra. A morte de sua mãe ao dar à luz marca o início de uma série de infortúnios que perseguem Grace como uma sombra implacável. Quando Percy morre, os gêmeos são separados e enviados a lares adotivos opostos: Grace para um casal em Canberra que a negligencia, e Gilbert para uma família religiosa cruel em Perth. Fiquei impressionado com a forma como Elliot tece essa narrativa com um ritmo lento, porém hipnótico, permitindo que cada tragédia — a solidão de Grace, o bullying por seu palato fendido, a perda de seu irmão — se sentisse como um golpe pessoal. No entanto, nem tudo é escuridão; a aparição de Pinky (Jacki Weaver), uma idosa excêntrica e bondosa, me deu um alívio, uma faísca de esperança que ilumina o caminho de Grace rumo à redenção.
Visualmente, o filme é um deleite. O estilo de Elliot em stop-motion, com suas figuras de argila de formas tortuosas e cores apagadas, me lembrou uma pintura de Edward Gorey: feio e belo ao mesmo tempo. Cada cena está impregnada de detalhes que contam sua própria história, desde os caracóis decorativos que Grace acumula como escudo contra o mundo até as chamas de celofane que dão vida às memórias mais dolorosas. A animação não busca ser polida nem perfeita; pelo contrário, sua imperfeição me fez sentir mais perto dos personagens, como se eu pudesse tocar suas feridas. A trilha sonora, com seu tom clássico e melancólico, acompanhou cada momento como um sussurro que amplifica as emoções sem sobrecarregá-las.
O que mais me cativou foi como Elliot equilibra o trágico e o cômico. Há momentos que me fizeram rir alto — como as excentricidades de Pinky ou as peculiaridades dos personagens secundários —, mas logo em seguida vinha um golpe de realidade que me deixava em silêncio. Grace, com sua obsessão por caracóis e sua tendência a se fechar em si mesma, é um reflexo do que significa sobreviver quando a vida parece determinada a te derrubar. Sua relação com Gilbert, rompida pela distância e pelo destino, partiu meu coração. E então há Pinky, cuja amizade com Grace me ensinou que, mesmo na desolação, um vínculo genuíno pode ser a chave para sair do casulo.
Um aspecto que me emocionou profundamente em Memoir of a Snail foi sua representatividade queer sutil, mas poderosa, encarnada na figura de Gilbert Pudel. Embora o filme não o coloque como foco principal, a história de Gilbert — um jovem gay separado de sua irmã Grace e enviado a uma família religiosa opressiva — ecoou em mim como um reflexo das lutas reais de tantas pessoas queer que enfrentam rejeição e isolamento. Seu amor pela arte e seu destino trágico, revelado quando Grace descobre sua morte após anos de silêncio, me fizeram sentir o peso de uma vida interrompida pela intolerância. Adam Elliot não força essa narrativa com discursos óbvios; ao contrário, ele a entrelaça com delicadeza na trama, permitindo que a identidade de Gilbert seja um reflexo natural de sua humanidade.
E agora, permitam-me concluir com o coração na mão: essa animação merece o Oscar. Não só pela sua maestria técnica, que transforma pedaços de massinha em almas viventes, nem pelo seu roteiro, que encontra poesia na tristeza mais crua. Merece ganhar porque é um grito silencioso em favor dos marginalizados, daqueles que carregam cicatrizes visíveis e invisíveis, dos que encontram refúgio nas coisas pequenas — como caracóis — quando o mundo lhes vira as costas. Cada lágrima que derramei por Grace, cada sorriso que Pinky me arrancou, me lembraram por que o cinema existe: para nos fazer sentir vivos. Se a Academia reconhecer o poder dessa história, não estará apenas premiando Adam Elliot, mas dizendo ao mundo que as vozes quebradas também merecem ser ouvidas. Por favor, que este caracol cruze a linha de chegada e leve a estatueta dourada; ele merece com toda a alma.
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