terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Quando Chega o Outono(Quand Vient L'Automne, França, 2024)

François Ozon, que tem lançado um longa por ano, é conhecido por explorar temas de identidade, sexualidade e gênero em seus filmes, e "Quando Chega o Outono" não foge à regra, embora de maneira mais sutil e integrada à narrativa do que em algumas de suas obras anteriores. 

No coração do filme está Michelle, interpretada com uma profundidade comovente por Hélène Vincent, uma avó que vive sua aposentadoria com uma serenidade aparente. O enredo se desenvolve nas tensões entre gerações, nas expectativas não cumpridas e nas feridas do passado que se abrem durante uma visita de sua filha Valérie (Ludivine Sagnier, retornando com o diretor) e seu neto Lucas. Ozon explora com delicadeza a complexidade das relações familiares, questionando o papel das aparências e dos segredos na manutenção ou destruição dessas relações. Ao mesmo tempo, há uma clara homenagem à vida na maturidade, não como um fim, mas como um ponto de partida para novas introspecções e revelações.


A relação entre Michelle e Marie Claude (Josiane Balasko) é marcada por uma complexa dinâmica de tensão e cumplicidade. Michelle, uma mulher de meia-idade com um passado tumultuado, encontra em Marie Claude, uma jovem mais espontânea e livre, uma espécie de espelho de sua juventude perdida. A interação entre elas é carregada de momentos de confronto e reconciliação, onde a experiência de Michelle se choca com a inexperiência e a rebeldia de Marie Claude. 


"Quando chega o Outono" desafia a invisibilidade das mulheres mais velhas no cinema, especialmente no contexto queer. Ozon dá protagonismo a personagens femininas de mais de 70 anos, explorando não apenas suas vidas cotidianas, mas também seus desejos, segredos e passados. 


A narrativa do filme é cheia de ambiguidades, não-ditos e atos falhos, o que pode ser interpretado como uma metáfora para a experiência queer de viver em uma sociedade onde a autenticidade pode ser suprimida ou escondida. A trama envolve um possível envenenamento que levanta questões sobre intenção e culpa, paralelo à maneira como a sociedade pode atribuir culpa ou marginalizar aqueles que não se encaixam nas normas de gênero e sexualidade.


Ozon não apenas explora a sexualidade, mas também a classe, a culpa e o perdão. A história mostra como a identidade se forma através de múltiplas camadas de experiência social, incluindo a velhice, o passado criminoso e as relações familiares, todas vistas através da lente única do cineasta.


O cineasta, fiel ao seu estilo, faz do cenário outonal um personagem em si. A fotografia, de Jérôme Alméras, captura a beleza melancólica da estação, paralelamente aos sentimentos dos protagonistas. Cada cena é composta com uma sensibilidade que reflete a passagem do tempo, o ciclo da vida, e a inevitabilidade da mudança. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário