sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

A Centésima Noite (100 Nights of Hero, Reino Unido, 2025)

“100 Nights of Hero”, de Julia Jackman, constrói um universo de fantasia histórica que aposta declaradamente no visual over, na composição plástica e na estilização como eixo principal de sua experiência. Inspirado na graphic novel de Isabel Greenberg e em “As Mil e Uma Noites”, o filme segue Cherry (Maika Monroe), deixada à própria sorte pelo marido Jerome (Amir El-Masry) depois de uma aposta com Manfred (Nicholas Galitzine), enquanto a empregada Hero (Emma Corrin) usa a narrativa como estratégia de sobrevivência e subversão. Desde o início, o longa deixa claro que sua ambição está menos na progressão dramática clássica e mais na criação de um espaço de fábulas onde imagens, cores e gestos falam mais alto que conflitos psicológicos densos.

A encenação de Jackman privilegia um mundo deliberadamente artificial, quase teatral, no qual figurinos exuberantes, cenários estilizados e uma fotografia de tons saturados criam um conto de fadas queer autoconsciente. Essa escolha estética é sedutora e coerente com a proposta de reescrever mitos a partir de uma perspectiva feminista e sáfica, mas também impõe um limite. Muitas vezes, a forma se sobrepõe ao conteúdo, transformando tensões políticas e afetivas em ornamentos visuais bem-acabados, porém menos incisivos do que poderiam ser.

A essência do filme está na relação entre Cherry e Hero, que se desenvolve como um romance de descoberta queer marcado pela delicadeza e pela curiosidade. Emma Corrin oferece uma Hero carismática, de gênero fluido, cuja presença organiza tanto o desejo quanto a rebelião simbólica do filme. Maika Monroe, por sua vez, encarna Cherry como uma figura em transição, menos uma personagem plenamente complexa e mais um corpo atravessado por despertar e deslocamento.

A crítica ao patriarcado é satírica e alegórica, com homens apresentados como figuras de bravata vazia, paranoia moral e controle institucionalizado. O Birdman interpretado por Richard E. Grant funciona como caricatura de um poder religioso e de gênero que dita regras absurdas, enquanto mulheres são punidas por falhas que não lhes pertencem.

Nesse contexto, a presença de Charli XCX surge como exemplo emblemático dessa lógica ornamental. Sua participação adiciona camadas de estilo, carisma pop e iconografia queer ao universo do filme, mas permanece superficial, funcionando mais como adereço estético do que como elemento narrativo com peso dramático real. É um gesto que reforça o caráter fashion e performático de “100 Nights of Hero”, mas também evidencia como certas escolhas parecem existir mais para compor um imaginário cool do que para aprofundar sentidos.

“100 Nights of Hero” é uma fábula queer feminista visualmente cativante, que celebra o poder da narrativa, da imaginação e do desejo entre mulheres como formas de resistência. No entanto, sua força reside muito mais na elegância da forma do que na complexidade do conteúdo. É um filme que prefere seduzir pelo brilho, pela composição e pelo encanto do artifício, deixando a sensação de que, por trás de tamanha beleza, havia espaço para um gesto mais radical, menos decorativo e mais disposto a ferir as estruturas que critica.



Nenhum comentário:

Postar um comentário