terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Tudo é Justo (All's Fair, EUA, 2025)

“All’s Fair”, criada por Ryan Murphy, apresenta um melodrama jurídico pop como um exercício deliberado de exagero, superficialidade e ironia. A série acompanha um grupo de advogadas especialistas em divórcios milionários que rompem com um escritório dominado por homens para fundar a LVLUP Legal, em Los Angeles, transformando batalhas judiciais em arenas de poder, vingança e moda. Desde o início, fica claro que o interesse central não está na verossimilhança jurídica, mas na encenação de rivalidades femininas, alianças instáveis e na sátira de uma elite que consome o próprio colapso como entretenimento.

No centro desse tabuleiro está Allura Grant, interpretada por Kim Kardashian, uma protagonista moldada pela fusão entre persona pública e ficção. Advogada implacável e estrategista, Allura carrega marcas evidentes do próprio divórcio midiático de Kardashian e de seus estudos em Direito. O power dressing maximalista, construído com peças do closet real da atriz e com figurinos assinados por Paula Bradley, funciona como extensão narrativa da personagem, ocupando o tribunal como quem ocupa uma reality show. Ainda assim, a série não se esforça para aprofundar seus dilemas éticos, preferindo tratá-los como combustível dramático rápido.

O fogo cruzado de “All’s Fair” é a rivalidade entre Allura e Carrington Lane, vivida por Sarah Paulson. Carrington é a encarnação do ridículo consciente, uma vilã que abraça o exagero como método e rouba a cena justamente por não temer o caricato. O momento em que se disfarça de Allura, replicando maquiagem, figurino e postura para infiltrar-se simbolicamente na firma rival, sintetiza o projeto estético da série, identidade como performance, poder como farsa e humilhação como entretenimento. Paulson transforma a personagem em uma força caótica que sustenta o ritmo da temporada, mesmo quando o roteiro escorrega na repetição.

O elenco de apoio amplia esse jogo de contrastes. Glenn Close, como Dina Standish, surge como a matriarca ambígua da LVLUP Legal, uma mentora experiente cuja autoridade nunca é totalmente confiável, oferecendo conselhos tão afiados quanto manipuladores. Naomi Watts, como Liberty Ronson, traz um sarcasmo britânico elegante e uma recusa afetiva ao compromisso que dialoga com o cinismo estrutural do universo jurídico. Já Emerald Greene, (Niecy Nash-Betts), com seus chapéus de Carmen San Diego, apresenta um dos arcos mais promissores da temporada ao abordar abuso e sobrevivência, ainda que seu impacto seja diluído pela pressa narrativa e pelo tom caricato dominante. Teayana Taylor, atriz em ascensão, é completamente subaproveitada.

Visualmente, “All’s Fair” aposta em uma estética pop glamourosa que remete tanto a “Feud” quanto a “The Good Wife”, filtradas pelo gosto camp característico de Murphy. Ombreiras largas, cores codificadas por personagem e cenários que misturam luxo corporativo e teatralidade compõem um mundo onde tudo é performance. Essa estilização constante, embora sedutora, contribui para a sensação de superficialidade que marca a recepção crítica da série, frequentemente apontada como rasa, mas curiosamente eficaz em sua proposta de entretenimento autoconsciente.

Depois desse surto, Ryan Murphy merece uma intervenção. “All’s Fair” parece apenas querer alimentar seu ego e funciona menos como drama jurídico e mais como uma comédia cruel sobre poder, imagem e rivalidade feminina no capitalismo tardio. Ao tentar tocar em temas sérios como abuso, ética profissional e desigualdade de gênero, a série frequentemente os esvazia em favor das frases de efeito e do choque visual. Com uma season finale abrubta, e já renovada para a 2ª, a atração é um produto excessivo que assume o artifício e tenta encontrar forças não na profundidade, mas na coragem de ser escandalosamente superficial. Cliffhanger? Meu c*!

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