“O Leve Bailar das Borboletas”, curta-metragem dirigido por Leandro Fasoli e roteirizado em parceria com Guilherme Aniceto, aposta no sensorial e no fantástico como vias legítimas para elaborar o luto amoroso. Primeiro trabalho de Fasoli, o filme já nasce atravessado por um reconhecimento expressivo no circuito de festivais, acumulando prêmios que atestam a força de sua proposta estética e emocional. A história segue Frederico (Adolfo Moura) após a morte do companheiro, Antonio, situando sua experiência em um espaço doméstico que deixa de ser abrigo para se tornar arquivo afetivo. A casa, saturada de vestígios do amor vivido, configura o território inicial de uma dor que não encontra tradução imediata em palavras, apenas em matéria, textura e corpo.
A descoberta da coleção de borboletas de Antonio, especialmente o espaço reservado para uma rara borboleta azul ainda ausente, funciona como disparador narrativo e simbólico. Esse vazio não remete apenas à perda concreta, mas a um desejo de continuidade que se desloca do outro para o próprio sujeito enlutado. A borboleta azul concentra a ideia de um afeto que se recusa a se cristalizar, permanecendo em trânsito. O curta compreende o luto queer não como ruptura definitiva, mas como processo contínuo de reinscrição do amor no mundo, mesmo na ausência.
É nesse ponto que o filme radicaliza sua aposta ao introduzir a metamorfose corporal de Frederico. O corpo que floresce não opera como ornamento visual, mas como tradução física de uma experiência emocional que transborda os limites do realismo. Fasoli investe em um fantástico corporal alegórico, onde dor e beleza coexistem sem hierarquia, transformando o luto em matéria viva. A floração não apaga a ausência, mas a incorpora, sugerindo que amar após a perda implica reorganizar a própria carne em diálogo permanente com a memória.
A dimensão queer do curta se afirma justamente na recusa a normalizar o luto ou enquadrá-lo em trajetórias previsíveis de superação. A relação entre Frederico e Antonio é apresentada como um grande amor. Ao eleger a fantasia e o sensorial como linguagem, o filme se alinha a uma escolha que é também política, ao legitimar a dor homossexual como experiência central, complexa e digna de elaboração poética.
“O Leve Bailar das Borboletas” constrói sua força a partir de estados afetivos e de uma relação íntima entre corpo e natureza. A direção de fotografia de Geraldo Sampaio é decisiva nesse percurso, criando imagens que privilegiam texturas, luz e proximidade, reforçando a dimensão tátil do filme. A canção “Viento de Otoño”, composta e interpretada por Adolfo Moura, amplia essa camada emocional, dialogando diretamente com o roteiro e funcionando como extensão do estado interno do protagonista.
O reconhecimento acumulado em festivais, incluindo prêmios de júri e de voto popular, não surge como validação externa casual, mas como resposta a um filme que articula com precisão forma, afeto e imaginação. A borboleta azul e a metamorfose corporal não oferecem fechamento, e sim continuidade. “O leve bailar das borboletas” surge assim, como uma obra socialmente relevante ao afirmar que o luto pode gerar novas formas de existência, onde a memória não paralisa, mas impulsiona o corpo a seguir em constante transformação.
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