domingo, 14 de dezembro de 2025

Hag (EUA, 2025)

 “Hag”, estreia em longas de Sam Wineman, um dos nomes por trás da docusérie "Queer for Fear", é um thriller de horror queer interessado em tensionar afetos, limites e fantasias de pertencimento dentro de relações atravessadas pela cultura LGBTQIA+. O filme segue Rowan (Ryan de Villiers), um músico gay em ascensão que, entre o luto pela morte da noiva e a sobrevivência como barista, decide alugar um quarto vago de seu apartamento. A chegada de Mag (Jane de Wet), ex-colega de escola que se autodenomina uma “hag”, termo historicamente associado a mulheres hétero amigas de homens gays, inaugura uma convivência que rapidamente abandona o conforto da nostalgia para mergulhar no território da obsessão.

A dinâmica entre Rowan e Mag é o motor narrativo do filme e também sua principal torção queer. Wineman parte de um tropo clássico do horror psicológico, a roommate invasiva, para reconfigurá-lo a partir de uma perspectiva dissidente. A relação não se estrutura como desejo romântico convencional, mas como uma forma de posse emocional que se alimenta da identidade queer de Rowan, transformada em objeto de fascínio, controle e projeção. “Hag” funciona, assim, como uma fábula sombria sobre os riscos de alianças afetivas que atravessam o limite entre apoio e apropriação.


O roteiro articula essa obsessão como um comentário ácido sobre dinâmicas recorrentes na cultura queer, especialmente aquelas em que figuras aliadas reivindicam intimidade irrestrita sem respeitar fronteiras. A figura da “hag”, frequentemente romantizada no imaginário pop, aqui ganha contornos perturbadores. Mag não deseja apenas proximidade, ela deseja centralidade, exclusividade e poder sobre a vida emocional e criativa de Rowan. O horror emerge menos do sobrenatural e mais da invasão cotidiana, da vigilância disfarçada de cuidado e da manipulação afetiva disfarçada de amizade.


As atuações sustentam com eficiência esse jogo de tensões. Jane de Wet constrói uma antagonista imprevisível, oscilando entre carisma, fragilidade performada e ameaça latente, compondo uma presença que dialoga com o excesso camp sem jamais perder o potencial de perigo. Ryan de Villiers oferece a Rowan uma vulnerabilidade convincente, ancorada no luto e na busca por autonomia, ainda que o personagem seja por vezes mais funcional à engrenagem do suspense do que plenamente desenvolvido. Destaque também para Adore Delano, no papel de Opal, colega de trabalho afiada e ambiciosa, com uma cena musical que destaca seus talentos. Delano injeta ao filme uma camada adicional de humor ácido e camp queer, reforçando o diálogo com a tradição pop de Drag Race.


Na direção, Wineman demonstra pleno domínio do vocabulário do horror queer, algo já antecipado por seus trabalhos anteriores como pesquisador e realizador do gênero. “Hag” assume com clareza seu orçamento enxuto e o converte em estilo, apostando em espaços claustrofóbicos, escaladas graduais de tensão e um uso consciente do kitsch como ferramenta narrativa. A mistura de humor ácido, violência e exagero cria um tom que remete tanto a thrillers psicológicos clássicos, como "Louca Obsessão"(1990), quanto a uma sensibilidade queer contemporânea, interessada mais em visibilidade do que em sutileza.


Como obra, “Hag” talvez não se proponha a aprofundamentos psicológicos extensos, e essa limitação é perceptível. Ainda assim, o filme se destaca pela clareza de sua proposta e pela maneira como reinscreve o horror como espaço legítimo para discutir relações queer, alianças ambíguas e a necessidade de estabelecer limites. Ao transformar a obsessão em espetáculo camp e ameaça real, Wineman entrega um filme que diverte, inquieta e afirma a vitalidade do horror queer como território político, pop e perigosamente familiar.



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