segunda-feira, 28 de junho de 2021

Manhãs de Setembro (Brasil, 2021)

Em Manhãs de Setembro, série da Amazon Prime, Liniker vive Cassandra, uma mulher trans que trabalha como entregadora de aplicativo, de moto pelas ruas de São Paulo, e à noite faz cover da cantora Vanusa, no bar Metamorfose, da amiga Roberta(Clodd Dias). Tudo parece estar indo bem na vida da personagem, que está em um relacionamento estável com Ivaldo, Tomas Aquino, de Bacurau(2019), a quem chama carinhosamente de Filezinho. Um dia porém Leide(Karine Teles), bate em sua porta e apresenta o filho, de 10 anos, Gersinho(Gustavo Coelho).

Há uma voz(Elisa Lucinda) na cabeça de Cassandra, supostamente de Vanusa, mas na verdade é sua traiçoeira consciência. A personagem reluta em aceitar a sua realidade, porém, com um enorme coração e senso de humanidade não tem como escapar: “Para de me chamar de pai”, diz ela, "Você é muito bonita pai" rebate Gersinho.


Impressionante e expressiva a série apresenta sem pudores ao público o pajubá: o dialeto gay. Expressões como ocó, aqué, aquendar, bafão, cagar no maiô, colocada, uó, edi, amapô e truque são destiladas pelos personagens ao longo de todos os episódios.


Quando Liniker solta sua poderosa voz, temos os momentos mais bonitos e comoventes da série. Além da canção título, Cassandra ainda interpreta Paralelas, e Como vai você, resgatando o legado musical de Vanusa, a quem a série é dedicada e volta e meia toca na vitrola. A trilha ainda conta com Linn da Quebrada e uma versão catártica de Sufoco, de Alcione, onde na festa dos implantes de Roberta há uma verdadeira celebração transgênero. A trilha original é composta por Gui e Rica Amabes.


O arco dos personagens inclui ainda o casal maduro formado por Gero Camilo e Paulo Miklos, Ari e Décio, o primeiro é ex-padre e o segundo o músico que acompanha Cassandra nos espetáculos. Em determinado momento, eles acabam abrigando Leide e Gersinho.



Há uma cena notável, onde Cassandra realizando uma entrega é tratada no masculino e se impõe no gênero feminino. Realista, a série com roteiro, de lice Marcone, Carla Meirelles, Marcelo Montenegro e Josefina Trotta, traz dilemas pertinentes e plausíveis, para uma personagem que só quer ser feliz enquanto fuma o seu cigarro na varanda.

Grazy(Isabela Ordoñez), filha de uma amiga prostituta da mãe de Gersinho, fala com a maior naturalidade ‘sobre fazer a pista’ e ‘ser tetuda’ ao conhecer Cassandra. Leide que trabalha como vendedora ambulante, a essas alturas está tentando encarar algum novo trambique. Ficamos sabendo que Ivaldo é casado, e que tem uma filha. É o personagem, no entanto, que tem uma conversa franca com Gersinho, sobre Cassandra ser uma mulher.


A música e o amor por Ivaldo, com quem tem uma intensa cena de sexo, parecem ser um sopro de felicidade diante dos dramas da protagonista. Mas a voz na cabeça de Cassandra insiste a conduzi-la por caminhos obscuros.


Linn da Quebrada, aparece como Pedrita, a outra artista do Metamorfose. Junto de Cassandra e Roberta, elas protagonizam um momento de afeto e de irmandade transgênero, algo com que pessoas LGBTQIA+ estão acostumadas: a formar suas próprias famílias.


Lindamente fotografada, a série, produzida pela O2 e dirigida por Luis Pinheiro e Daianara Toffoli , finalmente trouxe representatividade trans ao streaming numa obra nacional, com 5 episódios. E fez isso de forma sublime, homenageando um ícone da música brasileira, que percorre pela narrativa e nos leva a um iluminado gancho para uma nova temporada.


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