Em um campo cheio de plantações de soja que se estende até o horizonte e além, um bando de emas abre caminho através da vegetação, pescoços girando alertam ao perigo. Os corpos continuam aparecendo. O mais recente é o de uma mulher trans chamada Madalena (Chloe Milan). A vida de três pessoas parece obscuramente afetada pelo evento e é contada como histórias separadas.
Luziane (Natália Mazarim), que trabalha como hostess de um clube, vai à casa de Madalena buscar algum dinheiro. Na casa, ela encontra não só um vazio, mas também uma escuridão. Algo que não vemos, mas ela testemunha. Uma espécie de assombração.
Cristiano (Rafael de Bona) tem uma existência privilegiada. Sua família é proprietária de uma vasta empresa agroindustrial que consumiu todas as fazendas da região. É nas terras dos pais que está o corpo de Madalena, fato que Cristiano faz questão de esconder, temendo as suas ramificações para a campanha eleitoral local da sua mãe.
Por fim, está Bianca (Pamella Yule), uma mulher trans e amiga de Madalena. Junto com um grupo de mulheres, ela arruma os pertences de Madalena, relembrando e homenageando sua vida. “Ela estava bêbada? Ela esqueceu onde ficava o banheiro? Sim, mas ela nunca deixou de ser elegante”.
Em sua estreia o diretor, Madiano Marcheti, aborda a violência contra a comunidade trans. E, no entanto, a obliquidade é o ponto. Não vemos a brutalidade de forma alguma, nem mesmo o ódio e a transfobia que levam à morte.. Em vez disso, detectamos uma série de ausências, da polícia, das autoridades e principalmente da própria Madalena, que traz uma escuridão que infringe e intoxica outras vidas.
Os diretores de fotografia, Tiago Rios e Guilherme Tostes, captam o calor pulsante e a infinitude opressora dos campos com uma intensidade enfática. Com sua paleta de cores saturadas, vinhetas vividamente esboçadas e a coexistência de uma realidade banal com as dicas de um elemento sobrenatural, o filme tem um apelo inebriante.
O assassinato de uma mulher trans é um fato trágico e infelizmente cotidiano no Brasil. Madalena assume uma forma fantasmagórica. Mas mesmo quando ela é o assunto da conversa, ela também é uma ausência notável no centro do filme. A rotina diária continua e como sugere o cenário da agricultura industrial, a exploração de pessoas e recursos está por toda parte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário