sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Pequena Mamãe(Petite Maman, França, 2021)


Em sua curta filmografia, com filmes como Lírios D’água(2007), Tomboy(2012) e a obra prima Retrato de uma jovem em Chamas(2019), a cineasta Céline Sciamma imprimiu sua identidade, sempre com um olhar muito feminino e uma poderosa sensibilidade. Sua mais recente obra, Petite Maman, não foge dessas características e marca a volta da diretora ao universo infantil.

Nelly (Joséphine Sanz) tem oito anos e sua avó materna acaba de falecer. Com sua mãe, Marion (Nina Meurisse), e seu pai (Stéphane Varupenne), ela se despede de todos no funeral, para depois se hospedar na casa da avó, onde Marion cresceu. Do banco de trás, Nelly sem palavras coloca lanches na boca de sua mãe enquanto ela dirige, até mesmo oferecendo a ela um gole de sua caixa de suco - atos mudos de cuidado que falam muito sobre sua proximidade e sobre a empatia incomum de Nelly por sua mãe em luto.


É uma corrente que flui para os dois lados. Mais tarde, Nelly confessa seus sentimentos de confusão e culpa por não ter dito um adeus apropriado - esta história também é uma excelente evocação do primeiro encontro de uma criança com a morte - e então ela e Marion reencenam uma despedida adequada, com Marion como a procuradora de sua própria mãe .


Na casa, uma espécie de recanto de conto de fadas próximo a uma floresta, a presença do pai é periférica, mas gentil. Há cenas lindas em que Nelly o ajuda a se barbear ou pede que ele lhe conte um segredo. Mas, principalmente, isso é sobre Nelly e Marion, e o fascínio da menina pelas histórias que sua mãe lhe conta sobre sua própria vida, em particular uma cabana que ela construiu na floresta adjacente na época em que fez uma operação para corrigir uma doença hereditária .



Quando Marion vai embora antes que Nelly acorde no dia seguinte, seu pai diz a ela que não é por muito tempo, e então ela engole sua preocupação e vai brincar na floresta. Lá, ela conhece uma menina de oito anos que se parece muito com ela (Gabrielle Sanz: as jovens atrizes são gêmeas) e está construindo uma cabana. O nome dela é Marion, e ela mora na mesma casa em que Nelly está hospedada, acessada apenas de uma maneira diferente, totalmente mobiliada e habitada pela versão mais jovem da avó(Margot Abascal) da protagonista.


As crianças, muitas vezes codificadas por cores em tons primários entre azulados, castanhos e laranjas ardentes da floresta outonal, na sublime fotografia de Claire Mathon, lembram muito fábulas. Mas Sciamma buscou inspiração na obra do influente animador do Studio Ghibli, Hayao Miyazaki, e sua maneira única de retratar crianças em filmes como Meu Amigo Totoro(1988) e A Viagem de Chihiro(2001). Outra obra, da produtora de animação, que parece se conectar diretamente com o filme é As Memórias de Marnie(2014), de Hiromasa Yonebayashi e Yuichiro Kido.

Há aspectos de realização de desejos aqui, como quando a criança-Marion tranquiliza Nelly que ela não é responsável pelas tristezas de sua mãe adulta. Mas, ao lado de momentos de sabedoria precoce, há um naturalismo preciso nas interações das meninas. Ambas aceitam seu pequeno milagre sem questionar e se comportam como qualquer garota cuja repentina amizade floresça no decorrer de uma tarde. Elas brincam com barcos a remo e panquecas e representam cenários hilariantes e intrincados num inocente faz de conta de ‘marido’ e ‘mulher’.


Petite Maman é um minúsculo fragmento suspenso no tempo, contado em apenas 70 min, mas ampliado em alta resolução até que o microscópico se torne imponente e gigante, e o mistério do amor de uma criança por sua mãe se torne o mistério do amor do mundo. 


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