MALA MENTE, de Teodoro Garrel, começa em transe, luzes vermelhas, batidas eletrônicas e corpos em movimento nos jogam direto num delírio visual digno de Gaspar Noé ou Bruce LaBruce. A cena de abertura já anuncia o terreno em que o curta se move: o do fetiche, da carne e do poder. É nesse espaço que dois garotos de programa Bruce (Sávio Dorothéio) e Neville (Kauã Rodriguez) realizam o desejo absurdo de um deputado que só goza quando ouve sexo trancado dentro de uma mala.
O gesto é grotesco, mas também irresistivelmente cinematográfico. Garrel filma a transgressão com humor ácido e um erotismo que roça o transgressivo, e logo transforma o prazer em fuga. Quando os rapazes decidem roubar o político e escapar pelas ruas do Rio, o filme ganha o ritmo de um road movie urbano, onde cada esquina parece prestes a explodir em cor, suor e perigo.
A direção de fotografia de Pedro Terra é um show à parte: nos vermelhos intensos, o curta encontra sua pulsação. Mesmo sob a luz do sol, na praia, persiste uma energia alucinada, como se o calor carioca fosse cúmplice da devassidão. Em cada close, há algo de sujo e sublime, um gozo visual que aproxima o curta de “Viver Até o Fim”, de Gregg Araki, referência que parece ecoar na sequência com a arma, um símbolo fálico, em punho, na boca e na aura punk das gays bandidas e trambiqueiras.
Marina Lessa Trindade e Índigo Braga completam o elenco com presenças magnéticas, como Les Demoiselles de Botafogo, finalizando o filme entre farsa e tragédia. E o deputado na mala, metáfora quase grotesca da política brasileira , é um personagem digno de “American Horror Story”, onde o fetiche e o bizarro caminham lado a lado.
O que o curta faz com maestria é transformar o escândalo em arte. Entre risadas e tensão, Garrel constrói um retrato feroz de desejo e poder, onde o prazer é sempre uma forma de resistência e a maldade, uma fuga possível. Um beijo bandido de proporções protagônicas.
MALA MENTE é mais do que provocação: é o retrato de um Brasil libidinoso, suado e politicamente corrompido, onde corpos marginalizados encontram no prazer o único gesto de liberdade possível. Um curta que lateja, entre o perigo, o riso e o orgasmo, como uma pequena obra maldita destinada a arder por muito tempo na memória de quem o vê.
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