quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Fogo-Fátuo(Portugal/França, 2022)

Apresentado como um delírio musical pelo seu realizador, João Pedro Rodrigues, Fogo-Fátuo assume efetivamente a forma de um sonho, mostrando-se como as últimas memórias ou devaneios de um velho no leito de morte.

O ano é 2069. O Rei Alfredo (Joel Branco) está morrendo e revive sua vida. Ele se lembra de sua infância e juventude, de seu pai, que o apresentou ao seu amor pela floresta, e de sua mãe, sempre insatisfeita com suas decisões.

Alfredo cita o famoso discurso de Greta Thunberg, que ela fez na conferência do clima da ONU, em Madri, em 2019. Basicamente, o filme é muito crítico à sociedade e aborda questões como mudanças climáticas, desigualdade social e as consequências resultantes.


A epifania sentida pelo jovem Alfredo(Mauro Costa) sobre a importância de proteger as árvores como se protege os seus entes queridos, irá levá-lo a querer ser bombeiro, para grande desgosto dos seus pais. No quartel, vai encontrar Afonso(André Cabral), o belo instrutor negro cuja seiva vai tirar durante uma memorável sessão de masturbação mútua na floresta


O foco permanece em grande parte na história de amor, mas muitos dos temas apresentados ainda estão presentes. O racismo e a história colonial de Portugal, mal processada, tornam-se um tópico constante.

Particularmente impressionantes são as representações muito explícitas de sexo e, em especial de pênis, que são usadas, por exemplo, para identificar diferentes florestas em uma apresentação. Isso é tão absurdo quanto parece e acrescenta muito à atmosfera leve e cômica, mostrando o que realmente significa liberdade sexual.

A mudança climática e suas consequências não podem ser detidas porque um homem apaga incêndios florestais. As estruturas de homofobia e racismo não se romperam só porque um branco e um negro se apaixonaram. 


Na obra de João Pedro Rodrigues em geral, há uma óbvia aproximação entre as práticas sexuais de todos os tipos e a comunhão dos corpos com a natureza .O filme utiliza diversas dinâmicas, totalmente visuais, para estabelecer um vínculo entre meio-ambiente, sexualidade e amizade.


De Caravaggio à Francis Bacon, há diversas obras de arte, que são exploradas e recriadas pelo filme, por intermédio dos bombeiros do quartel, onde Alfredo trabalha. Assim como a comunhão com a natureza passa pela comunhão dos corpos entre si, o acesso à arte também se dá pela sexualidade.

A originalidade, a loucura futurista e o erotismo desenfreado que transpiram do filme, de João Pedro Rodrigues, é reforçada tal como na maioria dos filmes do realizador, pela fotografia de Rui Poças. As imagens se diferem dos outros filmes de Rodrigues. O diretor está contente e sabe o que quer, o que se manifesta no esplêndido visual do filme.


As circunstâncias permitem, que o excêntrico e brilhante realizador português desencadeie uma comédia irônica e despreocupada, rodeada de números musicais dançantes e coloridos, amor e homoerotismo. Como fantasia musical, além dos balés, o fado tradicional português é tocado, revisitado e atualizado, da década de 1970, pelo músico étnico Paulo Bragança.

Embora as preocupações ambientais estejam claramente presentes, o filme nunca recorre à panfletagem. Mesmo que o cenário seja as cinzas após os incêndios florestais, a mensagem está mais carregada na paixão e no desejo, em vez de conceitos políticos.

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