sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Aqueles Dois(Brasil, 1985)


Baseado no conto homônimo de Caio Fernando Abreu, parte do livro Morangos Mofados, Aqueles Dois, de Sérgio Amon, é um marco, tanto na cinematografia nacional quanto gaúcha. Ambientado na Porto Alegre, dos anos 1980, o filme narra a amizade entre dois colegas de repartição pública, Saul(Pedro Wayne) e Raul(Beto Ruas)

Desiludidos com seus relacionamentos, ambos estão solteiros, e começam uma bonita relação em uma conversa sobre Psicose de Hitchcock. A partir de então, passam muito tempo juntos, pois são ‘tri’ parecidos e adoram Dalva de Oliveira e os clássicos boleros ouvidos por Raul, como Tu me acostumbraste, La Barca e Sabor a mi.

O lindo texto de Caio Fernando Abreu, a direção precisa, a estética de anos 1980, fazem com que a obra seja um manifesto LGBTQIA+ em uma época tão delicada para a comunidade. A relação afetiva entre dois homens é explorada com uma sutil tensão sexual, sem falar em temas como a solidão das grandes cidades e a intolerância.

Com a capital gaúcha como pano de fundo, a fotografia de César Charlone, registra imagens expressivas e cheias de ternura, e valoriza pontos conhecidos da cidade como o Parque da Redenção, o Viaduto da Borges de Medeiros, o Rio Guaíba ou o cinema Capitólio, recentemente restaurado, onde o personagem vai assistir Laranja Mecânica.

Aqueles dois estão completamente envolvidos e começam a ser falados no trabalho. Clara(Suzana Saldanha), com quem Raul mantinha sexo casual, está devastada e é a primeira a espalhar o boato gerando homofobia no ambiente. Embora sintam um carinho imenso um pelo outro, um romance ainda não aconteceu, e eles não se importam com o falatório.

O sotaque gaúcho garante à obra um charme único, afinal um filme fora do eixo Rio-SP, foi  representado no Gay and Lesbian Film Festival San Francisco, em 1987, e levou expressões como “tchê”, “tri” e”bah”, mundo afora.

Aqueles Dois é um filme sobre a condição humana, tão lindo que transborda a arte de Caio Fernando Abreu. O diretor soube utilizar as sugestões e sutilezas do conto, para criar um clima intimista, atmosférico e de desencanto, cheio de referências, que passam por Barbra Streisseind, Carlos Gardel e Lupicínio Rodrigues. Vale ressaltar uma belíssima cena de dança embriagada, que sintetiza um pouco a alma do filme.



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