Vera é um homem trans que prefere ser chamado de Bauer. Embora afirme que é um homem, a sociedade não tolera e o vê como uma mulher lésbica. O filme, de Sérgio Toledo, é um marco do cinema nacional, por anos antes da retomada, trazer à tela um tema urgente, o da transexualidade masculina. Essa pérola, premiou Ana Beatriz Nogueira com o Urso de Prata, por sua atuação, no Festival de Berlim, mas passou anos esquecido e está enfim, sendo redescoberto.
Baseado na autobiografia A Queda para o Alto, de Anderson Herzer, o longa começa com a imagem de um foguete, símbolo fálico. Em seguida, Vera está sendo apresentado, vestido com roupas masculinas, para os funcionários de Paulo, Raul Cortez, que assumiu a responsabilidade pelo jovem após esse sair de um orfanato.
A narrativa não linear nos leva até esse internato/orfanato, que muito lembra um presídio, com várias lésbicas masculinas. É lá que Bauer tem sua transexualidade aflorada e o contato com outros possíveis homens trans, como Paizão, estabelecido. No orfanato, elas formam famílias, com pais e mães, trazendo uma espécie de acolhimento LGBTQIA+, prática comum na época e que resiste até os dias de hoje. É no local também que o diretor(Carlos Kroeber), numa demonstração da homofobia, decide chamar meninos para resolver a situação das “machonas do orfanato” e lhes distribui vestidos.
No novo emprego, Bauer acaba se envolvendo com Clara(Aída Leiner), a quem dedica um poema no jornal. O casal se envolve e transa, mas Bauer tem repulsa ao corpo, vergonha dos seios e sonha com a cirurgia, o que Clara não entende já que o vê como lésbica e não trans. O filme nos propõe uma reflexão sobre sexualidade e gênero.
Afrontoso, Bauer vai trabalhar de terno e gravata e choca a todos. Acaba sendo repreendido e consequentemente demitido por seu protetor Paulo. O que é muito interessante se considerarmos a questão de mercado de trabalho para pessoas trans, sempre tão discriminatória.
Uma cena arrebatadora, de Bauer dublando um bolero num karaokê, marca o momento de libertação do personagem, ao mesmo tempo que faz brilhar a trilha de Arrigo Barnabé, premiada com o Candango, no Festival de Brasília, em 1987.
Vera é um longa essencial na cinematografia brasileira. Uma obra brilhante, corajosa e que ousou falar de um tema que as pessoas não queriam discutir, se informar ou debater. Se hoje há mais naturalidade ao tratar sobre transexualidade e transfobia em obras como Valentina, Limiar, Alice Júnior e até na novela de Glória Perez, A Força o Querer, é porque um filme, como Vera, abriu caminho e fez história.
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