quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Medusa(Brasil, 2021)

Está tocando Siouxsie and the Banshees. Um grupo de garotas mascaradas sai em uma caçada noturna. Elas têm como alvo aquelas que rompem com o modelo ideal de mulher cristã que deve ser bonita, imaculada e servir ao marido. É assim que Anita Rocha da Silveira abre Medusa.

Inspirada pelo atual governo, a ascensão de facções cristãs evangélicas radicais e violência contra mulheres no Brasil, a diretora cria um filme que oscila entre a sátira e o horror absoluto enquanto analisa o mundo desses chamados ‘fiéis’ realmente brutais. 


Quando uma das meninas da milícia mascarada, Mariana (Mari Oliveira), de 21 anos, é ferida acidentalmente durante uma tentativa de linchamento de uma ‘pecadora’, sua crença nesses valores religiosos mudará drasticamente.

Contra sua vontade, a menina será empurrada para além do mundo ideal, no qual ela não se encaixa mais, tendo perdido sua beleza. A hipocrisia de suas amigas e da comunidade, exigindo que os jovens sigam um padrão de vida em que não há espaço para decisões individuais, torna-se cada vez mais evidente.

Depois de perder o emprego em uma clínica de cirurgia plástica por causa de sua cicatriz, ela aceita um trabalho em um hospital onde os pacientes estão em coma. Uma dessas pacientes pode ser Melissa (Bruna Lizmeyer), uma mulher que desapareceu depois que o grupo de vigilantes de Mari queimou seu rosto.

Essas mulheres foram criadas nesta cultura de pureza, patrocinada pela igreja, onde a beleza exterior supostamente se correlaciona com a virtude interior. Mari alisa seu cabelo naturalmente encaracolado e reprime qualquer indício de paixão por trás de um sorriso passivo, enquanto Michele(Lara Tremouroux) esconde seus traumas por trás uma maquiagem perfeita,


A diretora mostra as armadilhas da filiação cega a uma instituição religiosa fundamentalista, pautada por uma agenda política. Ela não dá às duas jovens protagonistas um momento para respirar, nem quando fica clara a hipocrisia do pastor, vivido por Thiago Fragoso, que tenta construir seu eleitorado político a partir de fiéis fanáticos.


Medusa é um projeto ambicioso. Não é apenas um comentário sócio-político sobre a condição do Brasil contemporâneo, uma crítica à religião institucional, mas também uma tentativa de subverter as convenções de um clássico filme de terror, onde uma menina inocente tem a melhor chance de sobrevivência. 


Mari e Michele podem não vir a ver o poder inerente à liberdade que mulheres como a mitológica Medusa buscavam, ou mesmo sua própria culpa em perpetuar sua própria subjugação, mas pelo menos veem a gaiola dentro da qual foram criadas. Elas permitem finalmente sentir seus efeitos sufocantes. 


Embora suas muitas influências cinematográficas – de Dario Argento à David Lynch sejam aparentes, a cineasta as usa para contar uma história distintamente sua. Provocando performances poderosas de suas duas protagonistas e visuais impressionantes do diretor de fotografia João Atala. Medusa lança seu olhar para o mundo hipócrita e violento da cultura da pureza com uma honestidade inabalável


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