domingo, 25 de agosto de 2024

Cidade; Campo (Brasil/França/Alemanha, 2024)

A cineasta Juliana Rojas bifurca Cidade;Campo em um drama sobre duas histórias diferentes de migração. Filmado em São Paulo e na zona rural do Mato Grosso do Sul, o longa fala sobre  a vida entre o meio urbano e o rural.

No primeiro conto, Joana (Fernanda Vianna),  de repente aparece na porta de sua irmã Tânia (Andrea Marquee) em São Paulo. Devido ao rompimento de uma barragem, ela perdeu tudo: sua casa, seu sustento e seu amado cavalo Alecrim. Com a ajuda do neto de Tânia, Jaime (Kalleb Oliveira), ela se aventura em um novo território profissional, em uma agência de diaristas.


Na segunda história, Flavia (Mirella Façanha) e sua parceira Mara (Bruna Linzmeyer) fazem o mesmo, mas de forma mais concretas. Flavia quer continuar na fazenda herdada após a morte de seu pai. Esse casal traz uma belíssima. e bem-vinda, representatividade de corpos para a tela. Mas os fantasmas do passado não querem descansar e colocam seu amor à prova. 


Apesar de cravado no realismo e tratar de questões importantes, o filme não deixa de utilizar do realismo mágico, em sequências que se manifestam em formas evocativas e criam uma relação com o sagrado, existências paralelas, bem como símbolos e a ênfase em formas. 


O filme contém uma corrente política de questões atuais no Brasil, incluindo a exploração dentro dos trabalhos autônomos, o uso  de medicamentos indígenas e o deslocamento devido à crise climática. Ao mesmo tempo que as duas histórias conversam, elas contrastam.


Com cinematografia de Cris Lyra e Alice Andrade Drummond, o longa é unido por uma paleta verde-acinzentada suave pontuada pelo espectro amarelo de luzes através de janelas, da lua e de objetos celestes.


O design de som, de Tiago Bello, também reflete uma interação oposta: a trilha sonora orquestral ambiente e dissonante com música de Rita Zart emula o constante desconforto de Joana, enquanto a inserção de uma canção  da dupla Leandro e Leonardo, garante o momento mais catártico do filme.


Rojas, que levou  o Prêmio Encounters de Melhor Diretora no Festival Internacional de Cinema de Berlim, infunde sua atmosfera mística, uma marca registrada, em um conto universal, tanto sobre finais quanto renascimentos, e como o ciclo da vida continua. Não há cidade sem campo, e vice e versa.




CRÍTICA POR MARCO GAL:


Juliana Rojas explora o luto em "”Cidade; Campo" que, apesar de ter a forte personalidade da diretora, perde um pouco de ritmo na metade final.
O filme conta duas histórias sobre migração, luto e a relação entre rural e urbano. A primeira é de Joana, int
erpretada por Fernanda Vianna, uma trabalhadora rural de Minas Gerais que perdeu tudo depois do rompimento de uma represa e tenta vida nova em São Paulo. 

Essa primeira parte do filme tem uma atmosfera tão interessante que é inevitável não lembrar dos trabalhos anteriores de Rojas, como "Trabalhar cansa" e "Sinfonia de uma necrópole". Sequências como as que envolvem o cavalo Alecrim é onde a diretora melhor consegue imprimir o seu estilo, já tão bem estabelecido, e mergulhar ainda mais fundo.


Embora a história pareça bastante real (a tragédia vivida por Joana não é diferente daquela vivida por mais de 800 mil pessoas atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul), alguns momentos da trama soam um pouco forçados, como a sugestão de Joana trabalhar na Diarex surgir da ingênua criança Gordo.


A segunda história é de Flávia, personagem de Mirella Façanha, que se muda para a fazenda que herdou após a morte de seu pai. A adaptação ao novo lugar testa os limites de sua relação com sua parceira, Mara, interpretada por Bruna Linzmeyer.


Enquanto a segunda parte de "Cidade; Campo" tem uma história interessante, o que falta é tempo para desenvolver as personagens e seus conflitos. São muitas linhas narrativas para explorar: a relação de Flávia com o pai, com a parceira Mara, com a misteriosa figura Isabel… A pressa para desenvolver essas relações faz com que o ritmo do filme pese um pouco na metade final e torne a experiência um pouco cansativa.


Há uma cena em que as personagens tomam Ayahuasca que é um dos momentos mais memoráveis do filme. Porém, o tema da Ayahuasca é introduzido de forma aleatória com a entrada de uma personagem bem tarde na história que, depois que cumpre sua função, se despede da trama com a mesma facilidade.


No fim, fica a impressão de que falta maior conexão entre as duas histórias. Principalmente porque o filme deixa pistas de que as duas narrativas vão se entrelaçar em algum momento, mas isso não acontece.


Apesar da casa de Mara ser uma das primeiras a receber a faxina de Joana, o pingente de coruja que ela encontra lá acaba não dando em nada. Antecipamos encontrar Getúlio, o filho que Joana espera retornar, visitando a fazenda de Flávia, mas ele nunca chega a aparecer. E o comentário de uma das amigas de trabalho de Joana, sobre como ouvir outros cantando no karaokê une os universos pessoais de cada um, soa um pouco familiar depois quando vemos com Flávia livros de seu pai sobre universos paralelos. Mas os dois mundos não se encontram diretamente.


É comum que um filme indique que vai para um caminho e depois ir para outro, a fim de surpreender o espectador, mas aqui falta algo. É como se o filme anunciasse algo que nunca acontece. Portanto, quando o filme chega ao seu destino final, embora tenhamos passado por pontos incríveis, fica a frustração da viagem que poderia ter sido.



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