"El mar" abre em meio à Guerra Civil Espanhola, quando três crianças testemunham um massacre brutal em Mallorca. Esse trauma inaugural não apenas marca o destino de cada um, mas também serve como espinha dorsal da narrativa, moldando os conflitos emocionais e morais que se seguirão. Augsti Villaronga constrói essa abertura com violência frontal, mas sem exploração gratuita, estabelecendo desde o início que seu cinema não teme confrontar o espectador com a crueza dos horrores históricos.
A trama principal se desenvolve anos depois, em um sanatório para tuberculosos, espaço que condensa tensões sociais, religiosas e sexuais. A enfermidade física se torna metáfora da deterioração espiritual, e o isolamento geográfico funciona como uma prisão que amplifica os desejos e as culpas dos personagens. A fotografia de Jaume Peracaula, com paleta fria e iluminação claustrofóbica, reforça a sensação de enclausuramento.
Ramallo (Roger Casamajor), Manuel (Bruno Bergonzini) e Francisca (Antònia Torrens) formam o núcleo dramático. Ramallo é carnal e desafiador, Manuel é devoto e reprimido, e Francisca transita entre a devoção religiosa e a empatia humana. Villaronga não os trata como arquétipos planos, mas como seres em constante fricção, cada encontro entre eles é uma colisão de mundos internos, movidos por lembranças e feridas que não cicatrizaram desde a infância.
A relação entre Ramallo e Manuel carrega uma tensão homoerótica intensa, marcada pelo contraste entre desejo e repulsa. Villaronga apresenta essa dimensão queer sem romantização fácil, colocando-a sob o peso da moral católica e das feridas de guerra. O desejo masculino, aqui, não é libertador, mas um território minado por culpa e medo, onde cada gesto de aproximação parece arriscar a implosão emocional dos personagens.
A figura de Manuel encarna a luta entre fé e carne, absorvendo a doutrina católica como lente para interpretar seu desejo. Villaronga explora a religiosidade como força tanto opressora quanto estruturante, e não poupa o espectador de imagens que confrontam diretamente o dogma, crucifixos, confissões e punições corporais se entrelaçam em um imaginário de culpa persistente. O filme sugere que, para alguns, a salvação e a destruição podem vir da mesma fonte.
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"El mar" é um filme difícil, não apenas pelo conteúdo gráfico, mas pela intensidade com que expõe fragilidades humanas. Villaronga equilibra poesia e brutalidade, criando um trabalho que exige do público mais do que simples contemplação: requer envolvimento e disposição para atravessar zonas de desconforto. Ao completar 25 anos, a obra se mantém como um testemunho poderoso de como o cinema pode tratar a memória histórica, a sexualidade e a morte com honestidade dolorosa e, paradoxalmente, beleza visual.
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