Alexis Langlois é um cineasta que parece ter feito um pacto com o exagero e, felizmente, cumpre cada cláusula com glitters, sangue falso e melodrama camp. Em “The Demons of Dorothy”, ele constrói uma fábula delirante sobre a própria luta por espaço no cinema queer, transformando a frustração criativa em um espetáculo de horrores e fantasia pop. A protagonista, Dorothy ( Justine Langlois), é uma diretora lésbica que sonha em realizar filmes trash e fabulosos, mas é pressionada a fazer algo mais “normal” para agradar produtores. O que poderia ser apenas uma sátira do mercado cinematográfico se torna, nas mãos de Langlois, um manifesto contra o apagamento das vozes queer dissidentes.
Visualmente, o filme é um carnaval de estímulos: cores saturadas ao ponto da psicodelia, maquiagem over-the-top, cenários que parecem colagens de papelão propositalmente artificiais e figurinos que misturam a estética de videoclipes de Lady Gaga com o underground parisiense. Langlois filma como quem monta um palco de cabaré infernal, tudo é calculadamente excessivo e delicioso de assistir. A fotografia brinca com filtros neon e iluminação dramática, evocando ao mesmo tempo o cinema de John Waters e os mundos mágicos e artificiais de Jacques Demy.
A atuação de Justine Langlois é a engrenagem desse caos: um misto de fragilidade e explosão emocional, como uma diva punk que recusa abaixar a voz. Ao lado dela, personagens grotescos e sedutores surgem como criaturas saídas de um pesadelo kitsch, verdadeiros “demônios” que podem tanto destruir quanto inspirar.
Narrativamente, o filme abraça a metalinguagem. Dorothy está presa num ciclo onde a indústria tenta podar a ousadia queer, e cada aparição demoníaca é como uma encarnação da censura, da normatividade e do autocontrole forçado. Mas Langlois não entrega um discurso frio: ele faz um show grotesco, divertido e libertador. Ao rir e se assustar, o espectador se reconhece nesse campo de batalha entre a arte autêntica e as expectativas limitantes.
O filme também flerta com o terror e o gore, mas nunca de maneira “realista”. O sangue é rosa, os gritos são caricatos, e a violência tem sabor de paródia, como se fosse um musical sangrento que não teme ser ao mesmo tempo infantil e erótico. É nesse exagero que reside sua potência política: mostrar que o queer não precisa se ajustar para ser levado a sério, que o bizarro e o belo podem coexistir sem pedir desculpas.
“The Demons of Dorothy” é um delírio punk-fada sobre perseverar como artista queer num mundo que tenta pasteurizar cada voz. Langlois transforma frustração em arte e nos lembra que, às vezes, para enfrentar a mediocridade, só mesmo convocando nossos demônios mais fabulosos.
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