“Nem Toda História de Amor Acaba em Morte”, dirigido por Bruno Costa, é um filme que surge como marco importante no cinema brasileiro contemporâneo. Em meio a um cenário onde ainda falta espaço para narrativas inclusivas, a obra apresenta uma protagonista surda. Esse gesto, por si só, já é profundamente significativo, mas o filme vai além, integrando a Libras como linguagem estética e narrativa, não apenas como ferramenta de acessibilidade.
A história acompanha Sol (Chiris Gomes), uma mulher de meia-idade que reencontra Lola (Gabriela Grigolom), uma artista surda cheia de vitalidade e criatividade. A relação que se estabelece entre as duas desafia estereótipos e apresenta o amor como construção múltipla, feita de gestos, silêncios e olhares que muitas vezes comunicam mais do que palavras. Esse encontro de mundos revela que nem toda história de amor precisa ser trágica, como tantas vezes se repetiu nas representações de relacionamentos queer.
Visualmente, o filme encontra momentos de poesia ao transformar a Libras em coreografia. Com sua equipe de artistas PCds, negros e trans, cada gesto é filmado com atenção e cuidado, valorizando sua beleza como movimento e linguagem. Ao mesmo tempo, a direção de Costa encontra equilíbrio entre a delicadeza intimista das cenas cotidianas e a energia vibrante das performances artísticas, criando um diálogo entre vida e criação. Esse recurso reforça o quanto a imaginação e a expressão são ferramentas fundamentais de pertencimento.
O elenco é outro ponto alto. A entrega dos atores traz naturalidade e carisma, sustentando uma narrativa que, embora previsível em alguns momentos, nunca perde seu calor humano. Octavio Camargo, no papel de Miguel, dá densidade as arestas do triângulo, enquanto Sophia Grigolom, como Maya, completa esse grupo com presença carismática. A química entre Gabriela Grigolom e Chiris Gomes fortalece a mensagem de que histórias queer não precisam estar atreladas ao sofrimento ou ao fim trágico. A leveza e o humor que surgem em alguns trechos funcionam como respiros importantes em uma trama que fala de dores, mas também de superações.
Nesse sentido, “Nem Toda História de Amor Acaba em Morte” dialoga com um avanço notável da representatividade PCD, e, ainda mais, queer, no cinema nacional. Além dele, destacam-se o documentário “Assexybilidade”(2023), dirigido por Daniel Gonçalves (o mesmo de “Meu Nome é Daniel”, obra autobiográfica sobre sua deficiência), e o curta “Zagêro”(2024), de Victor Di Marco e Márcio Picoli, que reforçam a construção de um espaço mais plural, onde corpos e experiências diversas podem ser protagonistas e não apenas figuras marginais. Esse movimento inscreve a diferença como potência criativa, e não como limitação.
“Nem Toda História de Amor Acaba em Morte” se consolida como um filme que acredita na esperança e no poder transformador das relações. Ao recusar a tragédia como destino inevitável, Bruno Costa oferece uma história que ilumina possibilidades, reforça a importância da diversidade e abre caminhos para que outras narrativas queer, negras e surdas possam florescer no cinema brasileiro. É um filme que merece ser celebrado tanto pelo gesto político quanto pela delicadeza de sua execução.
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