Há filmes que nasceram para o escândalo, e “O que terá acontecido a Baby Jane?” (1962) é um deles. Dirigido por Robert Aldrich, o longa coloca frente a frente duas divas do cinema clássico, Bette Davis e Joan Crawford, em um duelo que extrapola a tela e invade os bastidores. A trama é deliciosamente mórbida: Baby Jane Hudson, ex-estrela infantil em total decadência, vive ao lado da irmã Blanche, uma atriz paralisada e presa à cadeira de rodas. O que poderia ser um drama sobre irmandade se torna um espetáculo grotesco de ressentimentos, cárcere privado e vingança.
A cena em que Jane serve a irmã com um rato morto no prato é talvez um dos momentos mais icônicos do horror psicológico. É escandaloso, cruel e cômico ao mesmo tempo, um reflexo perfeito do tom híbrido do filme, que transita entre o grotesco e o camp. O espectador ri nervosamente, chocado pela violência do gesto, mas seduzido pela teatralidade de Davis, que mergulha sem freios na caricatura monstruosa. Crawford, em contraste, oferece uma Blanche fragilizada, sofrida, manipulada e, ainda assim, carismática.
O embate entre Davis e Crawford não era apenas encenação: os bastidores foram combustíveis para o mito. As atrizes realmente se odiavam, trocavam insultos, disputavam cada segundo de tela. Davis teria colocado pesos nos bolsos ao arrastar Crawford numa cena; Crawford, por sua vez, compareceu ao Oscar de 1963 só para roubar os holofotes da colega indicada. É o tipo de rivalidade que transformou o filme em lenda e que Ryan Murphy eternizaria em “Feud: Bette and Joan” décadas depois.
O impacto de “Baby Jane” não se restringe às fofocas. Esteticamente, é um marco do hagsploitation, subgênero que explorava atrizes veteranas em papéis de terror e decadência. O contraste entre a casa gótica, a maquiagem grotesca e os maneirismos caricatos de Davis constrói uma atmosfera sufocante. Aldrich filma cada close como uma punhalada, expondo rugas, suor, lágrimas e uma decadência impossível de disfarçar. É Old Hollywood sendo devorado pelo próprio espelho.
Também é impossível ignorar o subtexto: “Baby Jane” é uma reflexão amarga sobre o destino das mulheres em Hollywood, descartadas pela idade e aprisionadas em imagens públicas irreconciliáveis. Davis e Crawford não estão apenas atuando, estão exorcizando os próprios fantasmas da carreira. O resultado é um espetáculo tão cruel quanto honesto, em que a degradação feminina é explorada, mas também denunciada. É cinema de terror, sim, mas é também melodrama, sátira e tragédia.
Mais de sessenta anos depois, o filme permanece um clássico exagerado, referência direta para cineastas e séries que buscam tensionar glamour e decadência. De “Feud” a obras de John Waters, passando pela estética camp queer que abraça o grotesco, em telenovelas e programas de TV, “Baby Jane” segue como uma ferida aberta no cinema americano. Uma história de ódio, vaidade e showbusiness que nunca envelhece, pelo contrário, ganha força com o tempo. Porque, afinal, quem consegue esquecer Baby Jane cantando “I’ve Written a Letter to Daddy” enquanto o mundo desmorona à sua volta?
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