segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Festim Diabólico (Rope, EUA, 1948)



Um cadáver, um baú misterioso e um jantar amigável. Com estes três elementos, o mestre,  Alfred Hitchcock consegue tecer uma história perturbadora que não deixa ninguém indiferente. Era o ano de 1948 e este seu primeiro filme colorido. inspirado na peça de Patrick Hamilton, escrita em 1929, baseada no assassinato do menino Bobby Frank, por um casal de homossexuais apenas por diversão.

A ideia de adaptar esta peça para as telonas inspirou-o a oferecer uma inovação que, em última análise, seria uma das marcas deste filme. Hitchcock queria uma ação contínua para focar a atenção no trabalho de atuação dos atores, então ele decidiu rodar o filme em uma sucessão de sequências, cada uma feita com uma única tomada, sem cortes. O filme não foi inteiramente rodado em plano sequência, pois a tecnologia da época não permitia.

Para vincular cada um dos cortes, sem perceber a transição, em cada extremidade do rolo a câmera foi feita para focar em algum espaço escuro. É talvez um dos filmes em que melhor podemos desfrutar da perícia narrativa de Hitchcock, e mais ainda considerando as limitações impostas pelo fato de toda a ação se desenrolar dentro de um apartamento. Em suma, tanto o ritmo como a encenação são requintados, sem esquecer aquele ponto de suspense que está por trás de toda a trama.


Quando o filme foi lançado, causou indignação entre o público devido à homossexualidade subliminar dos personagens interpretados por John Dall e Farley Granger. Em nenhum momento essa relação é revelada, mas, segundo os diálogos e a encenação, é evidente. Não foi uma coincidência ou capricho do diretor, mas uma aproximação aos fatos reais que o inspiraram. A relação de dependência que se estabelece entre Brandon(John Dall) e Phillip(Farley Granger) é uma clara alusão ao conceito de dominação e é Brandon quem está botando as cartas na mesa e Phillip é relegado para segundo plano.

No começo do filme, Brandon articula para que matem David(Dick Hogan), enforcado, e escondam o corpo em um baú, onde será servido o jantar para um seleto grupo de convidados. Brandon é perverso, movido pela crueldade, sarcasmo e um um senso de superioridade.



Philip, é a parte frágil dessa relação turva entre os dois assassinos. Um calculista e frio como aço; o outro temperamental e com pouco autocontrole. E é justamente Phillip quem vai acabar dando bandeira numa sequência tensa em que toca piano para o público.


Como professor desses dois alunos, temos Rupert Cadell, interpretado por um excelente James Stewart. Ao contrário do que veríamos anos depois em Janela Indiscreta(1954), aqui ele é mais contido, fechado sobre si mesmo. De certa forma, representa a sociedade e seus valores, uma sociedade que não vê o assassinato com bons olhos, assim como a homossexualidade, por mais que o motivo seja discutido.

Curiosamente, há um protagonista que passa despercebido e com quem ninguém conta: o cadáver. Talvez porque ele seja apenas mais um espectador desse crime perverso .Outro detalhe é que os esforços dos atores não se limitaram ao lado interpretativo. Eles também tiveram que respeitar escrupulosamente as marcações no palco para se encontrarem no momento certo, coincidindo com o arranjo da luz e das câmeras.

Este filme foi um desafio para Hitchcock em mais de um aspecto. Por um lado, era seu primeiro filme colorido, então ele teve que dar atenção especial à fotografia e fez isso com uma grande janela ao fundo que conforme a ação do filme vai acontecendo, o sol vai caindo. 


Um crime que só visa a reafirmação do intelecto superior sobre os fracos e que através da figura do professor revela o quão perigosos certos ideais podem ser. É um suspense, mas também um thriller psicológico intenso onde os protagonistas brincam de gato e rato constantemente. Uma obra com enredo sombrio mas que navega perto do humor negro. É um filme enorme em tantos aspectos e que marcou uma guinada na carreira de Alfred Hitchcock.


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