segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Coração Errante (Errante Corazón, Argentina/Brasil, 2021)

Leonardo Sbaraglia é um talento notável do cinema. Ele foi o implacável bandido Nene, em Plata Quemada(2000), que iniciou seu romance com Angel num banheiro público. Ele também beijou António Banderas em Dor e Glória(2019), de Almodóvar. No segundo filme do diretor argentino Leonardo Brzezicki, ele vive Santiago, um homem gay,  em meio a uma anarquia emocional e os dilemas da vida contemporânea.

Santi passa por uma situação caótica em sua vida. Chef e dono de um restaurante de prestígio que funciona muito bem, acaba de ser deixado por Luis (Alberto Ajaka), seu sócio e amante. Sua filha adolescente, Laila(Miranda de la Serna), com quem mora, não o aguenta mais. Além disso, há sua mãe idosa, Isabel (Beatriz Rajland), e a irmã, cuja relação não é das melhores.

O protagonista, que não é mau, nem tem intenções nefastas  não pode ou não quer ver além de seu próprio nariz e busca compensar suas dificuldades emocionais com presentes e viagens, enquanto se engana com a desculpa de que assim tudo ficará bem. Santiago está fora de seu eixo e não registra que sua vida está desmoronando e com a sua também a de seus entes queridos.


O longa começa com uma orgia entre homens em um grande apartamento, a câmera em mãos percorre os diferentes cômodos e os corpos nus que dançam, bebem, se beijam e fazem sexo sem nenhuma vergonha. E essa apresentação da história é um reflexo da vida de Santi e de como o diretor e roteirista decidirão contá-la: visceral e apaixonadamente.

Por meio de uma encenação tão refinada quanto raivosa, onde a câmera se apoia sobre corpos, rostos e diferentes espaços para captar o menor detalhe expressivo e corporal de seus personagens, Brzezicki investiga o interior de Santi, e seus vínculos, a partir da externalização de suas ações, seus movimentos, seus gestos, o espaço em que se move e o vazio que nele habita.

A direção de fotografia do brasileiro Pedro Sotero, de Bacurau(2019), é tão delicada, cuidadosa, pessoal e ao mesmo tempo tão real que a história é tingida de uma verdade tão pura quanto penetrante. Quando Laila vem para o Rio de Janeiro visitar a mãe, vemos a Praia do Leme, os Arcos da Lapa e Silvio, o personagem de Tuca Andrada, que traz ainda mais homoerotismo para a tela.

A trilha sonora também traz muito charme ao filme. A cena de Santiago cantando nu, Careless Whispers, de George Michael, na beira da piscina é icônica. Ainda há momentos ao som de Maria Callas, Verdi, Caetano Veloso, Thiago Pethit e Alabama Shakes.


Sem dúvida, para além das suas virtudes formais e narrativas, o filme sustenta-se em toda a sua magnitude graças à incrível atuação de Leonardo Sbaraglia, num papel atípico. Um desafio numa carreira de ator que não se mantém na sua zona de conforto, correndo o risco de colocar corpo e alma nas suas escolhas. Como faz com Santiago em Coração Errante, um filme que o desnuda interna e externamente para nos mostrar sem dúvida que é um dos melhores atores argentinos da atualidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário