quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante(Aristotle and Dante Discover the Secrets of the Universe, EUA, 2023)

O filme, escrito e dirigido por Aitch Alberto, é um conto sobre dois meninos mexicanos queer que descobrem segredos profundos dentro de si mesmos ao longo de um ano letivo. O longa é uma adaptação do romance de Benjamin Alire Sáenz.

Aristóteles "Ari" Mendoza (Max Pelayo) abre o filme, ao som de Bronski Beat, apresentando ao público sua família e vida como estudante do ensino médio. Ele não está interessado em ser uma das crianças legais e quer algo mais do que uma vida provinciana no Texas de 1987. Um encontro casual com Dante (Reese Gonzales), um jovem que Ari conhece na piscina local, leva a uma intensa conexão entre os dois. O pai de Aristóteles, Jamie (Eugenio Derbez), mexe na casa em um clima melancólico, e é por isso que ele está mais próximo de sua mãe, Liliana (Veronica Falcon). Ela cuida da família enquanto seu irmão mais velho e distante está cumprindo pena de prisão.


De ascendência latina, ambos os meninos têm problemas de identidade, mas Dante é o mais corajoso dos dois e disposto a expressar seus sentimentos em relação a essas questões em voz alta. Somado ao fato de que sua etnia é sempre questionada porque seu pai Sam (Kevin Alejandro) é branco, e sua mãe Soledad (Eva Longoria) é mexicana, ele sente que não é suficiente para ninguém. 


Apesar de suas diferenças, Aristóteles e Dante desenvolvem uma amizade que transcende esse plano terrestre e abrirá as portas para um universo de informações sobre si mesmos e o mundo ao seu redor.


Aristóteles e Dante fazem pesadas perguntas existenciais ao seu público sobre vida, identidade, lealdade, retidão e como esses princípios se conectam à cultura mexicana. É refrescante ver pais em filmes que não odeiam abertamente seus filhos por serem LGBTQIA+. Pode não ser realista, mas é bom ver esse tipo de representação vindo da comunidade latina.

O namoro de Aristóteles e Dante é completamente doce, leve e esperançoso, o filme ainda lida com questões sérias. Um primeiro beijo, a aceitação familiar, a epidemia de AIDS, bullying e a violência contra a comunidade trans são abordados.


A cinematografia cintilante, de Akis Konstantakopoulos, é carregada nos closeups, para capturar a emoção crua por trás de cada momento. Uma trilha sonora caprichosa de Isabelle Summers dá uma vantagem final e tocante que define o clima perfeito cada vez que toca um clássico oitentista.


O roteiro tece um envolvente drama de amadurecimento que também serve como uma terna história de amor. Max Pelayo e Reese Gonzalez têm uma química palpável, o que facilita o público torcer para que Aristóteles e Dante fiquem juntos. Nenhum deles exagera ou subestima, então suas performances naturais ajudam a fundamentar o filme no realismo. 



terça-feira, 28 de novembro de 2023

Disco Boy - Choque Entre Mundos(Disco Boy, França/Itália/Bélgica/Polônia, 2023)

Giacomo Abbruzzese filma uma obra coletiva, que tematiza em uma linguagem onírica com sotaques industriais, o desastre ambiental que aflige as áreas do Delta do Níger, próximas aos campos de petróleo, uma tragédia com repercussões significativas nas chances de vida dos habitantes dessas zonas.

No início, Aleksej(Franz Rogowski) foge da Bielorrússia para a França. Na ausência de alternativas, ele se alista na Legião Estrangeira, se aguentar por cinco anos, é recompensado com a cidadania francesa. Caso contrário, ele continuará sendo um ninguém, um fantasma, ameaça seu instrutor. Mas logo, uma estranha presença toma posse de sua alma, não totalmente diferente de Mal dos Trópicos(2004), de de Apichatpong Weerasethakul.


O cineasta italiano filma a Legião Estrangeira, assim como Claire Denis em Beau Travail(1999), com um olhar fascinado por corpos. Em contraste com os corpos dos soldados, no filme de guerra, eles quase convidam você a ser esteticamente seduzido, apesar da exaustão e da lama em seu rosto.


Enquanto isso, na Nigéria, Jomo (Morr Ndiaye) é um carismático guerrilheiro que, com sua irmã Udoka (Laetitia Ky), lideram um grupo paramilitar insurgente no Delta do Níger: os dois têm uma estranha marca de identificação: olhos de cores diferentes. 


Disco Boy destaca-se imediatamente pela sua excelente cinematografia, assinada por Hélène Louvart, um nome conhecido no circuito cinematográfico de arte, de filmes como Pina(2011). Sua linguagem visual, que não tem medo de closes, imagens térmicas e neon, abre-se para formas de experimentação que consolidam o aspecto lúdico.


O sonho industrial também se deve à trilha sonora de Disco Boy, composta por Pascal Arbez, mais conhecido como Vitalic. Produzidas para o filme, as músicas pulsam em seu próprio transe encantatório.


Quanto a Jomo, ele uma vez refletiu sobre o que teria sido se tivesse nascido no próspero mundo branco desenvolvido. Talvez ele tivesse sido um dançarino, um "disco boy", uma ideia que ganha seu próprio tipo de realidade misteriosa simplesmente por ser dita em voz alta por Jomo, reforçada por misteriosos rituais xamânicos.


Disco Boy é um filme muitas vezes sedutor, uma experiência sensorial, um cinema de superfícies e atrações, que espalha denúncias e contextos (migração, identidade, legião estrangeira, guerrilha, destruição ambiental) como estímulos afetivos e é completamente absorvido nas imagens de seus corpos.



sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Doi Boy(Tailândia/Camboja, 2023)


Nontawat Numbenchapol explora temas de imigração ilegal, prostituição e direitos humanos através de seu primeiro longa-metragem. O diretor centra o filme em torno de três homens - um profissional do sexo, que vive em Chiang Mai, um policial e um ativista de direitos humanos.

Depois de viver uma vida de abstinência como monge, Wan(Awat Ratanapintha) foi forçado a se juntar ao exército como resultado do conflito no Estado Shan. Durante toda a sua vida, outra pessoa tomou decisões por ele, seja seu guardião ou o Estado, e, assim, um dia, ele resolve fazer algo que ele queria como indivíduo. Wan começou a viver a vida de sua escolha, mas não era o que ele sonhava.


Wan queria viver na Tailândia e, depois de abandonar sua posição em Mianmar, foi parar em Chiang Mai, a cidade mais popular do norte da Tailândia. Sem documentos em seu nome, Wan acabou trabalhando como profissional do sexo. Ele era um imigrante ilegal, e era impossível encontrar empregos decentes.

Trabalhar na Doi Boy era sua única maneira de economizar o suficiente para conseguir um passaporte. O dono do clube mudou seu nome de Wan para Sorn, e foi assim que sua nova vida começou. Wan se apaixonou pela dançarina Bee(Panisara Rikulsurakan), e talvez porque seus trabalhos eram bastante semelhantes, eles não tinham nada a esconder. 


Ji(Arak Amornsupasiri) foi responsável pelo assassinato de um ativista de direitos humanos, Bhoom, e ele foi mais uma vez chantageado para realizar um trabalho semelhante. O aumento do número de desaparecidos fez com que ativistas questionassem o governo e exigissem ações imediatas contra o tráfico de pessoas. Para conter o aumento dos protestos, policiais como Ji foram convidados a derrubar os ativistas à noite. 


De qualquer forma, o relacionamento de Sorn com Ji acaba sendo um momento bastante libertador e emocional e dá uma história de fundo de por que essas pessoas se sentem e agem da maneira que fazem. Embora sejam tecnicamente estranhos um ao outro, eles confiam um no outro e partem em uma jornada que acaba sendo de autodescoberta.


Com muitos toques de thriller, o filme tem seus momentos de profundidade e, ao longo do tempo de execução, a jornada de Sorn (assim como muitos como ele) deixará você desconfortável com seu destino. 


Com sua cinematografia sexy, e exuberante, o longa é uma jornada lenta da vida de uma pessoa, e cumpre bem essas promessas, com uma fatia da sociedade e seu submundo sombrio. No final, esse drama parece uma pequena janela para a vida de uma pessoa que se vê enfrentando algo ruim a cada esquina.  






quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Les damnés ne pleurent pas(França/Bélgica/Marrocos, 2022)

Fatima-Zahra (Aicha Tebbae) vive com seu filho Selim (Abdellah El Hajjouji) em um pequeno apartamento. Eles moram em uma aldeia, no Marrocos, e cuidam um do outro. Ela diz a ele que tem uma entrevista de emprego em breve, o que a poderá tirar do trabalho sexual.

No entanto, ela acaba com um olho roxo e suas joias roubadas. Fugindo para Tanger, a sorte está inicialmente do seu lado graças a um simpático motorista de ônibus que toma gosto por Fátima-Zahra, pedindo sua mão em casamento. Selim encontra trabalho na construção de uma propriedade opulenta que está sendo construída para Sebastien (Antoine Reinartz), um parisiense gay que seduz o adolescente, sem saber de sua idade ou virgindade


Embora o longa lide com uma variedade de assuntos, não parece sobrecarregado. O diretor Fyzal Boulifas permite que diferentes temas – exclusão social, sonhos, mentiras, sexualidade – fluam harmoniosamente uns nos outros.


Outro motivo principal é a busca ou a viagem. Mãe e filho estão muitas vezes na estrada. Desde o início, eles viajam de um lugar para o outro. Sempre com a esperança de melhorar sua situação. É sobre uma busca, mas também sobre chegar.


O filme é convincente em como ele examina uma mulher arruinada e seu filho gay existindo dentro de restrições culturais impossíveis, o roteiro de Boulifa é cheio de passagens marcantes e complexidade. 


Como Fátima-Zahra, uma mulher com dois nomes que simbolizam uma conjuntura de escolha, Aicha Tebbae está perfeitamente cansada do mundo e talvez agravantemente ingênua, forjando um caminho para a estabilidade e o conforto particulares que ela acredita ser possível.


Ao contar essa história, Boulifa adota um tom que ecoa intencionalmente estilos cinematográficos que ele admira, há muito de Mamma Roma(1962), de Pasolini. Um exemplo inesperado também está no título do filme: The Damned Don’t Cry  foi também o nome de um dos filmes menos conhecidos de Joan Crawford, feito em 1950, e essa escolha pretende ser um indicador de que Boulifa é um admirador de melodramas.


Os papéis rígidos atribuídos a homens e mulheres, cristãos e muçulmanos, fazem com que ambos se divirtam em uma situação em que precisam se separar para sobreviver. Se  Les Damnés ne pleurent pas é essencialmente uma tragédia, Boulifa também permite a generosa ambiguidade da esperança, mesmo que estejam condenados a servir como intrusos em qualquer ambiente que qualquer um deles ouse chamar de lar.



terça-feira, 21 de novembro de 2023

O NEW QUEER CINEMA

 

Se há uma nouvelle vague do CINEMA LGBT+ esse é o New Queer Cinema. O movimento surgiu no início da década de 90, mas só ganhou o título em 1992, quando a crítica de cinema B. Ruby Berch, da Sight & Sound, notou uma expressiva produção com títulos  em sua apresentação de identidades sexuais, que desafiavam tanto a heteronrmatividade quanto resistiam a promover imagens "positivas" de pessoas LGBTQIA+.

No mundo do New Queer Cinema, a sexualidade é muitas vezes uma força caótica e subversiva, que é alienante e muitas vezes brutalmente reprimida pelas estruturas de poder. Os filmes do  movimento  frequentemente apresentavam representações explícitas e sem remorso da atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo. O movimento era uma resposta para a crise da AIDS, já que eles não só criticavam o sistema de saúde, como também eram feitos em grande parte por ativistas.


O New Queer Cinema, que aconteceu principalmente nos EUA e na Inglaterra, serviu de resposta aos opressivos Governo Reagan e Thatcher, revelando grandes cineastas como Todd Haynes, Gregg Araki, Bruce LaBruce, Cheryl Dunye  e Gus Van Sant. A página elegeu algumas obras essenciais desse importante período cinematográfico e de contracultura LGBTQIA+.


No Skin Off My Ass(de Bruce LaBruce, Canadá, 1991)



Um cabeleireiro punk (Bruce LaBruce) fica obcecado por um skinhead neonazista aparentemente mudo (Klaus von Brücker) que caminha pelas ruas de Toronto sem ter para onde ir. Um dia, ele o encontra num parque e o convida para sua casa, onde dará banho, conversará e aprisionará o desconhecido no quarto de hóspedes. É um dos grandes exemplos presentes no movimento New Queer Cinema por transgredir padrões culturais e tabus sexuais, além de romper com a heteronormatividade. Filmado em preto & branco, e em 8 mm, se tornou um filme cult e curiosamente era favorito de Kurt Cobain.

O Par Perfeito(Go Fish, de Rose Troche, EUA, 1994)


O filme, de Rose Troche é um manifesto feminista que se passa no campus de uma universidade americana. Kia é uma professora que divide o quarto com a estudante Max. O filme fala de identidade sexual, estereótipos, e todo tipo de tabus que estão presentes no cotidiano de mulheres homossexuais.


Línguas Desatadas(Tongues Untied, de Marlon Riggs, EUA, 1990)


Línguas Desatadas, é o tipo de recado urgente de uma sociedade negra e gay que vivia nos Estados Unidos sob as administrações Reagan e Bush; é um relatório das próprias margens, composto de alguma forma fora da linguagem habitual. O diretor Marlon Riggs coloca à frente e no centro um núcleo de depoimentos - alguns falados, outros cantados, outros em rap- refletindo sobre o duplo preconceito enfrentado por homens, negros e gays, no epicentro da AIDS: atacados tanto por sua cor de pele quanto por preferências sexuais.


Zero Patience(de John Greyson, Canadá, 1993)

Zero Patience, de John Greyson, conseguiu fazer o que parecia impossível: trazer humor e leveza para a problemática da AIDS. Para escrever o roteiro, Greyson se inspirou na história do comissário de bordo Gaëtan Dugas, um franco-canadense, apontado por levar o vírus aos Estados Unidos. Colorido, lúdico, bem-humorado e corajoso, o filme é um musical marcado por cenas icônicas e letras que levantam uma bandeira de militância e crítica social desmontando o mito por trás da história do paciente zero, com uma linguagem de videoclipe


Swoon - Colapso do Desejo(Swoon, de Tom Kalin, EUA, 1992)



Poeticamente rodado em PB, Swoon - Colapso do Desejo, reabre o notório assassinato do menino Bobby Frank, cuja morte na década de 1920, se tornou um escândalo internacional quando foi revelado que dois jovens homossexuais ricos de Chicago, Richard Loeb(Daniel Schlachet) e Nathan Leopold Jr.(Craig Chester), haviam cometido o crime a ponta-pés.

Young Soul Rebels(de Isaac Julien, Reino Unido, 1991)

Young Soul Rebels é extremamente eficiente em percorrer com fluidez todas as várias situações sociais com misturas iguais de coreografia e documentação que localizam infalivelmente a autenticidade de cada cena. O diretor Isaac Julien tem uma capacidade notável de entrelaçar todas as várias vertentes sócio-políticas da história em uma teia abrangente que não limita nem restringe seu alcance.


Morango e Chocolate (Fresa y Chocolate, Cuba/México/Espanha, 1993)

Enquanto o movimento fervilhava criativamente nos EUA e na Europa, na América Latina o conservadorismo era maior. Mas Morango e Chocolate(1993), de Tomas Gutierrez Alea e Juan Carlos Tabío, levantou uma discussão sobre a sociedade cubana dos anos 1970. O filme tem verdadeira força e charme, principalmente na maneira como nos leva a esperar um romance, e então nos dá um personagem cuja própria existência é uma crítica à sua sociedade.


Viver Até o Fim(The Living End, de Gregg Araki, 1992)


The Living End é um filme propositalmente raivoso; uma resposta a um país governado por republicanos indiferentes à epidemia de AIDS que assolava os Estados Unidos no período; um ato de rebeldia contra o mundo, onde não há sonho americano. No filme do então promissor, mas sempre subversivo, Gregg Araki, Luke (Mike Dytri) é um cara imprudente e inquieto e Jon (Craig Gilmore)é um crítico de cinema relativamente tímido e pessimista. Ambos são gays e soropositivos.


Veneno(Poison, de Todd Haynes, EUA, 1991)



Repleto de analogias e interpretações, a estreia de Todd Haynes, são três histórias entrelaçadas, sobre estranhos, sexo e violência: um pseudodocumentário sobre um garoto de sete anos que mata o pai; um cientista maluco que descobre a essência da sexualidade humana; o amor homossexual entre prisioneiros inspirado por Jean Genet.


The Watermelon Woman(de Cheryl Dunye, EUA, 1996)

The Watermelon Woman foi o primeiro filme dirigido por uma mulher negra abertamente lésbica, sendo considerado um marco para o New Queer Cinema. Sob o comando de Cheryl Dunye (que também o escreveu  e editou), o longa busca abordar temas como a dificuldade de se encontrar arquivos sobre biografias de mulheres negras queer que trabalharam em Hollywood, assim como o seu apagamento histórico.


Garotos de Programa(My Own Private Idaho, de Gus Van Sant, EUA, 1991)


Garotos de Programa, o clássico de Gus Van Sant, é uma das obras referenciais do movimento New Queer Cinema, se tornando notável pela coragem de abordar temas tabus na época como prostituição, drogas, sexo e homossexualidade. Além disso, diretor, apresenta um estilo narrativo muito próprio, ao contar a história através de uma peça de Shakespeare.


Eduardo II(Edward II, de Derek Jarman, Reino Unido, 1991)


Considerado um dos primeiros filmes a representar o movimento New Queer Cinema, no Reino Unido, Eduardo II, de Derek Jarman, através de anacronismos, como o uso de figurinos modernos e a trilha sonora contemporânea, faz um paralelo entre a história do rei inglês, que, ao escolher amar um homem, sofreu a opressão da nobreza inglesa, com a luta pelos direitos LGBTQIA+ contra o estado inglês homofóbico e repressor dos anos 80 e 90.


Paris is Burning(de Jennie Levingston, EUA, 1990)



O documentário, de Jennie Levingston, de 1990, é um dos maiores ícones do cinema gay e representa o início do movimento new cinema queer. O documentário retrata a cultura dos bailes gays no final dos anos 1980 no Harlem. Sua abordagem faz com que se abram discussões sobre gênero, ativismo negro e estudos trans. Outro ponto alto, é que ele apresenta a cultura do Vogue, mais tarde comercializada por Madonna.



Esses filmes e diretores que na década de 1990 conseguiram trazer um olhar positivo para a estigmatizada comunidade LGBTQIA+ pavimentaram um terreno para que nas décadas seguintes, surgisse um cinema queer fora do armário, com abordagens cada vez mais sérias, visibilidade mais presente e acima de tudo assumindo uma solidez nas produções, que hoje alcançam um público bem maior que os das sessões da meia noite.


REFERÊNCIAS: CLUBE DA POLTRONA MUBI LIST

WIKIPEDIA

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Manodrome(EUA/Reino Unido, 2023)

O sul-africano John Trengove fez com seu polêmico longa-metragem de estreia The Wound, um fillme onde  explorou um grupo de meninos da etnia Xhosa – o maior grupo étnico na África do Sul depois dos zulus – que se reuniram em uma montanha em uma região rural do país para participar do ukwaluka, um rito tradicional de circuncisão que marca a transição da adolescência para a idade adulta. 

Do africâner e da língua xhosa para o inglês, das exóticas paisagens sul-africanas para a selva urbana da Big Apple, o tema  subjacente a Manodrome, seu primeiro filme em inglês, mantém-se inalterado: o de explorar nas entranhas os meandros e as mudanças da masculinidade.


O protagonista Ralphie (Jesse Eisenberg) é um jovem branco que sobrevive como motorista de Uber, mas tal ocupação não é gratificante nem financeiramente segura. Fica imediatamente claro desde o início que ele é devorado por muitos problemas, principalmente o fato de que sua namorada Sal (Odessa Young)  estar grávida.

Os dois, portanto, sem dinheiro, estão esperando um filho que não queriam. Ralphie desabafa suas frustrações indo à academia com frequência para desenvolver seu corpo como fisiculturista e dirige pela cidade em seu carro, encontrando-se até mesmo em situações perturbadoras. 

Ele não tem o trauma do Vietnã por trás como Robert De Niro no famoso Taxi Driver (filme que certamente inspirou o roteiro de John Trengove) , mas uma infância difícil que marcou irreversivelmente seu personagem. A influência do filme, de Scorsese, é visível aqui, lembrando os encontros de Travis com pessoas negras que expõem o racismo contrário à sua ideologia. 



O ponto de virada parece vir quando, através de um amigo, ele é apresentado a um grupo de pessoas lideradas por Dan (Adrien Brody) que o apresenta a uma espécie de culto libertador e coercitivo ao mesmo tempo de masculinidade que lentamente levaria Ralphie a abandonar a família e fazer pior. 


A esperança de sucesso aparece apenas no momento em que o cara é aceito em seu círculo por membros do misterioso Manodrome - uma irmandade masculina de elite. Seus membros se referem a si mesmos como "filhos" e seus líderes como "pais". No entanto, Trengove vai muito além dos avisos de função de culto semelhantes a panfletos. Por um lado, levando o homoerotismo reprimido de seu Ralphie a uma explosão homofóbica.


O que imediatamente funciona em Manodrome é Eisenberg. Ralphie é um perdedor. Ele se sente fora de contato com seus colegas e compensa mergulhando na cultura da academia, onde o cara que o vê pode elogiá-lo e fazê-lo se sentir pertencente.

Na academia, ele é repetidamente dominado pela sensação de que é um perdedor, que os outros tomaram a iniciativa com confiança e determinam para onde as coisas estão indo. E assim há sempre longos contatos visuais e pequenas provocações, especialmente por um fisiculturista afro-americano chamado Ahmet (Sallieu Sesay), a quem Ralphie observa com um misto de fascínio e repúdio.


Desde o início, o filme deixa claro como sua masculinidade insegura se junta ao machismo, racismo e homofobia, bem como seu próprio desejo homossexual reprimido, que cada vez mais se expressa em explosões imaginadas e também reais de violência. 



sábado, 18 de novembro de 2023

Mutt(EUA, 2023)

Na história, Feña( Lio Mehiel), é um homem trans, de vinte e poucos anos que fez a transição recentemente. Ele está em um clube com seus amigos uma noite quando percebe que seu ex-namorado, John ( Cole Doman), também está lá para comemorar o aniversário de seu primo. Inicialmente desajeitados, os dois iniciam uma conversa e saem noite adentro para curtir a companhia um do outro, acabando indo parar na cama juntos. Na manhã seguinte, John sai às pressas. Mas Feña tem pouco tempo para refletir sobre isso.

No filme, de Vuk Lungulov-Klotz, Feña que tenta manter sua vida estável durante uma noite e um dia caóticos, em Nova York, em que o passado continua se afastando dele enquanto o presente lança novos obstáculos. Ele quer desesperadamente convencer seus amigos, familiares e, principalmente, a si mesmo de que ele não é um perdedor, mas isso se mostra difícil.


A primeira das três figuras do passado que conhecemos – mas a última que conhecemos de fato – é o pai de Feña, Pablo (Alejandro Goic), que está de visita do Chile. Feña quer desesperadamente dar a seu pai uma recepção adequada e perfeita em Nova York, mas grande parte do filme gira em torno da luta de simplesmente buscá-lo no aeroporto.


Sem dinheiro depois de não conseguir descontar um cheque com seu nome de batismo, e sem um carro, Feña passa o dia lutando para descobrir como pegar seu pai. Para aumentar o estresse, sua meia-irmã Zoe (Mimi Ryder) aparece sem aviso prévio após uma experiência ruim com sua mãe abusiva.


O roteirista e diretor Lungulov-Klotz deixa o drama se desenrolar em longas tomadas com design de som natural, permitindo que a humanidade de seus personagens saia tanto nos momentos tranquilos quanto frenéticos da vida. Seu talento para encontrar detalhes pessoais para os personagens inclui as lutas cotidianas da juventude e das relações familiares, juntamente com a singularidade de ser um homem trans.

Mutt não é apenas um filme que estabelece cuidadosamente a presença de um corpo trans na tela, mas também responde a perguntas suficientes sobre ele para saciar a dúvida do público em torno do mesmo. 


Humor sutil, empatia e uma dinâmica visual, baseada no cinema indie dos anos 90, que nunca passa do subjetivo ao sentimental, fazem da estreia contemporânea de Lungulov-Klotz um destaque. Ao final do dia caótico na vida do jovem protagonista, a amarga constatação espera que as decisões certas podem doer tanto quanto as erradas, deixando  duas cicatrizes.


O título Mutt refere-se tanto ao gênero e identidade cultural de Feña, bem como sua falta geral de se sentir estabelecido e em casa no mundo. Como tal, ele está constantemente tentando buscar aprovação de si mesmo. 


sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Rustin(EUA, 2023)

Rustin, do diretor George C. Wolfe, faz uma abordagem muito completa, sobre seu assunto, um homem apagado pela história por sua sexualidade, mesmo que sua principal realização, a Marcha de Washington, seja algo fundamental para o movimento pelos direitos civis.

O filme compartilha algo em comum com outras cinebiografias, e essa é uma performance incrível. Colman Domingo interpreta Bayard Rustin, um homem cujos esforços foram em grande parte apagados da história. O icônico discurso "I Have A Dream", de Martin Luther King Jr. (Aml Ameen), um amigo pessoal próximo de Rustin,  sem a liderança, coordenação e habilidade política do protagonista talvez nunca tivesse saído do papel.


Em 1960, Rustin é um membro importante no movimento pelos direitos civis, trabalhando em estreita colaboração com a NAACP (liderada por Roy Wilkins, interpretado por Chris Rock). O plano de Rustin para uma demonstração em larga escala de desobediência civil é arquivado por uma ameaça de revelar sua homossexualidade ao mundo. Rustin aposta que tudo vai dar certo; no entanto, isso não acontece e ele está basicamente afastado do movimento.


O roteiro, de Julian Breece e Dustin Lance Black, é feito para informar quem foi Bayard Rustin. Um homem negro gay, lutando por direitos civis, cujos ele só seria capaz de ver os benefícios em um aspecto, mas não em outro.


O filme fica mais forte quando Domingo está no centro da ação, capturando o charme natural e o carisma de Rustin que desarma aqueles que poderiam se opor a ele. Resta ao ativista navegar pela hipocrisia dos líderes dos direitos civis e sua homofobia.

O filme foi produzido pela Higher Ground, de Barack e Michelle Obama. A produção do filme é excelente; muito cuidado foi tomado para recriar a era dos anos 1960, nos figurinos, cenários e detalhes de época. A cinematografia contrasta habilmente as manifestações não violentas com a realidade brutal da injustiça racial e da violência, capturando a paixão e a intensidade do movimento pelos direitos civis. 


Além disso, Rustin explora as nuances de sua vida pessoal, incluindo sua identidade como um homem gay durante um período em que a homossexualidade era altamente estigmatizada. O filme conta com sensibilidade, sutileza e nuances essa parte da história de Rustin, destacando seus romances e as dificuldades que ele encontrou na comunidade LGBTQ+, bem como durante o movimento pelos direitos civis. 


Rustin é uma poderosa homenagem ao legado do ativista dos direitos civis e uma prova de sua dedicação inabalável à justiça e à igualdade. O filme é atraente por causa da excelente atuação, atenção cuidadosa à precisão histórica e exploração sutil das lutas pessoais e políticas, não só de Rustin, mas como de todo o movimento pela liberdade.


quinta-feira, 16 de novembro de 2023

TOP 10 DIRETORES

 

Há muitas maneiras de definir a formação cinéfila de um apaixonado pela sétima arte. Estudar é a melhor delas. No meu caso, está no DNA, desde criança passava horas nas vídeo locadoras , para um dia entender e descobrir que quem estava por trás das grandes obras eram os diretores. A filmografia de importantes cineastas passou a me interessar e comecei a maratoná-las. Não importava país, década, nem movimento. O importante era se aprofundar, e seguir se aperfeiçoando, para buscar um conhecimento e embasamento que não transcendesse apenas a tela, mas também a vida. Quando comecei com o projeto da página já tinha muitos favoritos, muitos diretores com os quais me identifico com a obra, porém ela me permitiu abrir ainda mais a mente e adentrar o desconhecido para hoje, finalmente, eleger o meu TOP  10 DIRETORES LGBTQIA+.

10 - Christophe Honoré




A obra de Christophe Honoré alterna temas, ele vai do drama denso de Minha Mãe(2004) ao musical, como na obra prima Canções de Amor(2008), passeia ainda pelo cinema infantil, mas também pelo desejo, de Homem no Banho(2010), e toca em temas delicados de uma maneira leve, caso de seu impecável Conquistar, Amar e Viver Intensamente(2018). Uma de suas mais recentes obras, Le Lycéen(2022), com Juliette Binoche e Vincent Lacoste,  nos leva de volta à adolescência do realizador francês com todo sem tom autobiográfico.


09 - Hilton Lacerda e Cláudio Assis




O combo Hilton Lacerda + Claudio Assis é infalível. Ambos naturais de Pernambuco, trabalharam juntos diversas vezes, colocando a cultura de seu estado na tela, com Lacerda escrevendo o roteiro de entre outros Amarelo Manga(2002), Febre do Rato(2011) e Piedade(2019), dirigidos por Assis. Mas em sua estreia como diretor, Hilton Lacerda, proporcionou o iconoclasta Tatuagem(2014), e mal podemos esperar por mais desses conterrâneos do cinema nacional.

08 - Céline Sciamma

Em torno de sua obra, a aclamada Céline Sciamma imprime sua identidade, sempre com um olhar muito feminino e uma poderosa sensibilidade. Seu longa Pequena Mamãe(2021), não foge dessas características e marca a volta da diretora ao universo infantil muito bem explorado em Tomboy(2011). Sua obra prima Retrato de uma Jovem em Chamas, de 2019, a colocou no mapa do mundo, mas a realizadora francesa já trabalhava a feminilidade com tanta delicadeza em filmes como Lírios d’Água(2007) e Garotas(2014).

07 - John Waters



Subversão é o nome! John Waters é um precursor do movimento queer no cinema, desde o final dos anos 1960, quando realizava experimentos com um grupo de amigos em sua cidade natal, Baltimore, sempre o pano de fundo de seus filmes imundos. Waters alcançou a fama no início dos anos 1970 por seus filmes transgressores, nas famosas sessões da meia noite. O elenco regular era formado pela Dreamland, encabeçada pela Drag Queen Divine, Mink Stole, Edith Massey e David Lochary. Afastado do cinema desde o início dos anos 2000, ele que é considerado o PAPA DO TRASH, ganhou recentemente uma estrela na calçada da fama e seu retorno é aguardado para breve.


06 - François Ozon


Um dos principais realizadores franceses da atualidade, François Ozon, teve algumas aulas de atuação quando adolescente e rapidamente passou a dirigir. A partir do sucesso de Sob a Areia, de 2000, Ozon se torna um dos queridos dos cinéfilos e da crítica, realizando uma filmografia extensa e muito diversificada. Em suas obras o diretor trabalha constantemente temas como: sexualidade, amor e morte.

05 - Todd Haynes


Velvet Goldmine(1998) foi um marco não só estético, como uma experiência suntuosa que ajudou a moldar meus gostos musicais. Todd Haynes desde então passou a ocupar um lugar cativo na minha carteirinha cinéfila. Suas obras, sempre foram transportadas para outro tempo, nos ajudam a entender um caminho percorrido. Logo no seu primeiro longa, Veneno(1993), no movimento new queer cinema o diretor se destacou por seu estilo e longas abordados. O que veio a seguir, foram diversos filmes, geralmente ambientados em outras épocas, contando histórias que naquele tempo não seria possível.


04 - Pier Paolo Pasolini

Com uma obra muito mais política do que queer, a homossexualidade é imposta como norma nos filmes de Pasolini. O italiano foi um raro diretor, que ousou tocar as feridas da sociedade onde mais doía. Como cineasta, Pasolini muitas vezes justapôs polêmicas sócio-políticas com um exame extremamente gráfico e crítico de questões sexuais tabus. Da vasta filmografia do também poeta, ensaísta e filósofo, destacam-se filmes como Teorema, A Trilogia da Vida, e o controverso Salò(1975), baseado na obra do Marquês de Sade, um dos filmes mais indigestos de todos os tempos



Na década de 1970, Jarman falou abertamente sobre homossexualidade, sua luta pública pelos direitos LGBTQIA+ e, a partir de 1986, quando foi diagnosticado, sua luta pessoal contra a AIDS. Foi fazendo um cinema político, de luta e resistência que Derek Jarman soube transformar sua dor em arte e deixou um legado histórico que merece ser conhecido pelas novas gerações.

02 - Rainer Werner Fassbinder


Rainer Werner Fassbinder é um dos mais importantes representantes do Novo Cinema Alemão. Durante a sua curta carreira, fez 43 filmes, incluindo a série Alexanderplatz, e trabalhou como ator, cinegrafista, roteirista e produtor. Vindo do teatro ele levou sua trupe ao cinema e fez, em média, um filme a cada 100 dias. Sua disciplina e criatividade efervescentes faziam contraponto com os excessos de sua vida pessoal. Homossexual assumido, predominam em suas obras temáticas relativas à situação de "deslocados" na sociedade alemã pós guerra. Com O Desespero de Verônika Voss(1982) ganhou o Urso de Ouro, mas sua obra prima, Querelle(1982), foi lançada postumamente.



Se há um cineasta que conversa diretamente comigo é Pedro Almodóvar. A identificação com os diálogos, a cultura espanhola e a estética é instantânea. Na infância lembro de seus filmes na TV, e sempre me causavam impacto, mas foi a partir de Tudo Sobre Minha Mãe(1999) que passei a me aprofundar na obra do diretor, que sempre me surpreende, e poucas vezes decepciona. Seus filmes me levam dos prantos às lágrimas em segundos. É a linguagem. É arte pura. É paixão. É a essência. É cinema. 


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