A força do filme está na cumplicidade entre a câmera e as protagonistas, resultado da proximidade de Kelm, que, como trans não-binário, filma com sororidade. A fotografia, assinada por Kelm e Hellen Braga, adota um olhar na altura das mães, com movimentos orgânicos que respeitam a naturalidade do ambiente. Cenas como Derick cantando “Canção da Partida” ou as mães compartilhando memórias revelam uma direção que equilibra controle e espontaneidade. A montagem de Aristeu Araújo costura habilmente os registros amadores de Derick com sequências coreografadas, como os clipes de rap empoderador, que expressam a raiva e a cura do grupo.
A narrativa prioriza a universalidade do afeto antes de destacar a singularidade das mães. Somos apresentados às suas rotinas — construir a casa, cuidar de Derick, fazer música — antes de conhecermos suas lutas contra a ameaça de despejo policial e as estruturas patriarcais. Essa escolha de Kelm humaniza as personagens, convidando o espectador a se conectar com seu carinho mútuo, em vez de exotizar seu modo de vida. As confissões sobre passados ternos ou traumáticos, incluindo as “mães das mães”, adicionam camadas emocionais, mostrando como o grupo transforma dor em comunidade.
O dispositivo cinematográfico é outro acerto. A câmera, próxima mas não intrusiva, torna-se quase uma moradora da ocupação, capturando interações genuínas. Momentos em que Derick filma com uma handycam trazem uma perspectiva infantil, crua e relacional, reforçando a ética do filme: dar visibilidade sem impor. A direção de arte de Gabrielle Windmüller, com símbolos feministas como flores e imagens de bruxas, reforça a identidade coesa do grupo, enquanto a trilha sonora amplifica sua militância. Contudo, a falta de contexto sobre a comunidade ao redor da ocupação limita a compreensão do impacto externo.
Apesar de seus méritos, o filme tropeça em alguns pontos. A mistura de documentário e musical sapatão nem sempre flui, com os clipes ocasionalmente quebrando o ritmo da observação. A narrativa também poderia explorar mais as dinâmicas de trabalho e vizinhança para enriquecer o retrato político.
Mães do Derick é um sopro de resistência e afeto, um hino às famílias escolhidas que desafiam normas com coragem e rap. Premiado no Festival Mix Brasil e For Rainbow (2020), o longa de Kelm brilha ao celebrar Thammy, Bruna, Chiva e Ana como mães que constroem, cantam e lutam sob ameaça de despejo.
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