sábado, 10 de maio de 2025

Mães do Derick (Brasil, 2020)

 

Mães do Derick, dirigido por Cássio Kelm, é um documentário potente que mergulha no cotidiano de quatro mulheres lésbicas, feministas, anarquistas e não monogâmicas — Thammy, Bruna, Chiva e Ana — que criam juntas Derick, um menino de nove anos, em uma ocupação no litoral sul do Brasil. O filme captura a essência de uma família escolhida que desafia o patriarcado e a heteronormatividade, construindo com as próprias mãos não só uma casa, mas um lar de afeto e resistência. A narrativa, permeada pela trilha do grupo Taiobas, mistura observação documental com interlúdios musicais, criando um retrato íntimo e político.

A força do filme está na cumplicidade entre a câmera e as protagonistas, resultado da proximidade de Kelm, que, como trans não-binário, filma com sororidade. A fotografia, assinada por Kelm e Hellen Braga, adota um olhar na altura das mães, com movimentos orgânicos que respeitam a naturalidade do ambiente. Cenas como Derick cantando “Canção da Partida” ou as mães compartilhando memórias revelam uma direção que equilibra controle e espontaneidade. A montagem de Aristeu Araújo costura habilmente os registros amadores de Derick com sequências coreografadas, como os clipes de rap empoderador, que expressam a raiva e a cura do grupo.

A narrativa prioriza a universalidade do afeto antes de destacar a singularidade das mães. Somos apresentados às suas rotinas — construir a casa, cuidar de Derick, fazer música — antes de conhecermos suas lutas contra a ameaça de despejo policial e as estruturas patriarcais. Essa escolha de Kelm humaniza as personagens, convidando o espectador a se conectar com seu carinho mútuo, em vez de exotizar seu modo de vida. As confissões sobre passados ternos ou traumáticos, incluindo as “mães das mães”, adicionam camadas emocionais, mostrando como o grupo transforma dor em comunidade.

O dispositivo cinematográfico é outro acerto. A câmera, próxima mas não intrusiva, torna-se quase uma moradora da ocupação, capturando interações genuínas. Momentos em que Derick filma com uma handycam trazem uma perspectiva infantil, crua e relacional, reforçando a ética do filme: dar visibilidade sem impor. A direção de arte de Gabrielle Windmüller, com símbolos feministas como flores e imagens de bruxas, reforça a identidade coesa do grupo, enquanto a trilha sonora amplifica sua militância. Contudo, a falta de contexto sobre a comunidade ao redor da ocupação limita a compreensão do impacto externo.

Apesar de seus méritos, o filme tropeça em alguns pontos. A mistura de documentário e musical sapatão nem sempre flui, com os clipes ocasionalmente quebrando o ritmo da observação. A narrativa também poderia explorar mais as dinâmicas de trabalho e vizinhança para enriquecer o retrato político.


Mães do Derick é um sopro de resistência e afeto, um hino às famílias escolhidas que desafiam normas com coragem e rap. Premiado no Festival Mix Brasil e For Rainbow (2020), o longa de Kelm brilha ao celebrar Thammy, Bruna, Chiva e Ana como mães que constroem, cantam e lutam sob ameaça de despejo. 


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