A estética de “Carne Fresca” é um dos seus maiores trunfos, evocando referências cinematográficas que enriquecem sua narrativa. A fotografia de Guilherme Tostes captura o Rio com uma paleta de cores saturadas e sombras densas, remetendo ao expressionismo gótico de Nosferatu (1922), especialmente nas cenas em que Saulo espreita suas vítimas sob a luz trêmula dos postes. Há também um diálogo visual com Orfeu Negro (1959), na forma como o Carnaval é retratado como um espaço mítico, onde o profano e o sagrado se encontram.
Erom Cordeiro entrega uma atuação magnética, com olhares que transmitem tanto fome quanto anseio por conexão, enquanto Matheus Macena, como uma de suas presas, complementa a dinâmica com uma presença igualmente intensa. A química entre os dois é carregada de erotismo, mas também de perigo, refletindo a dualidade do Carnaval como um espaço de liberdade e risco. Essa sensualidade, expressa em corpos suados e encontros furtivos, é o coração emocional do filme, tornando cada cena uma dança entre sedução e destruição.
O roteiro de Barros e Vitã é econômico, mas eficaz, usando o folclore do lobisomem para explorar temas de identidade, marginalidade e desejo. A escolha de um protagonista gay que é simultaneamente predador e vítima ressoa com as tensões de uma sociedade que celebra a diversidade no Carnaval, mas nem sempre fora dele. Essa crítica sutil às dinâmicas de poder é reforçada pela ambientação em áreas do Rio que, apesar de centrais, são negligenciadas pelo imaginário mainstream.
“Carne Fresca” dialoga com clássicos como “Orfeu Negro” e “Madame Satã” enquanto pavimenta seu próprio caminho. Giovani Barros demonstra um domínio impressionante da linguagem cinematográfica, transformando o Carnaval em um microcosmo de paixão e perigo. Uma experiência que combina sensualidade, terror e uma visão única do Rio, revelando as histórias que habitam suas margens, dando voz a personagens que, como Saulo, vivem entre a luz e a escuridão.
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