quarta-feira, 14 de maio de 2025

Mother Saigon (Má Sài Gòn, Canadá, 2023)

"Mother Saigon", de Khoa Lê, é um documentário impressionista que mergulha na vida da comunidade LGBTQ+ em Ho Chi Minh, Vietnã, com uma abordagem que transcende o formato tradicional do gênero. Lê, um cineasta queer de origem vietnamita radicado no Canadá, utiliza uma lente colaborativa para criar um mosaico de retratos íntimos, capturando a complexidade de indivíduos que navegam entre a aceitação e a marginalização em uma sociedade profundamente enraizada em tradições familiares.

A escolha de Saigon como pano de fundo não é apenas geográfica, mas simbólica: a cidade é personificada como uma mãe amorosa, porém opressiva, que acolhe e, ao mesmo tempo, impõe restrições aos seus "filhos" queer. A narrativa, guiada pela perspectiva pessoal do diretor, evita didatismos e estereótipos, oferecendo uma visão autêntica e multifacetada da experiência LGBTQIA+ vietnamita.

A força do filme reside em sua estética visual e sonora, que evoca o cinema de Wong Kar-wai com sua paleta vibrante e transições oníricas. Cenas noturnas em cabarés, com figurinos exuberantes e maquiagens impactantes, contrastam com momentos diurnos de introspecção, como conversas sobre amor e família em rooftops urbanos. A cinematografia de Mathieu Laverdière, premiada no Quebec Cinema Awards, capta a pulsação de Saigon, transformando a cidade em um personagem vivo que respira junto aos sujeitos do filme.

"Mother Saigon" brilha ao destacar a construção de famílias escolhidas e a resistência às normas heteronormativas.. Lê, consciente de seu privilégio como cineasta no Canadá, aborda os desafios enfrentados pela comunidade LGBTQ+ vietnamita sem romantizá-los, reconhecendo a tensão entre a liberdade expressiva nas noites de Saigon e a opressão diária imposta por normas sociais.

Enquanto o filme busca universalizar a busca por amor e pertencimento, sua especificidade cultural pode limitar a ressonância para públicos menos familiarizados com o contexto vietnamita. Ainda assim, a universalidade das emoções retratadas — amor, rejeição, resiliência — transcende essas barreiras, tornando o filme acessível e impactante. A decisão de Lê de evitar clichês de trauma, focando em momentos de esperança e celebração, é particularmente refrescante em um gênero que frequentemente recai em narrativas trágicas.

"Mother Saigon" é uma conquista notável que combina arte, ativismo e afeto. Khoa Lê oferece um testemunho poderoso da vitalidade da comunidade LGBTQIA+ vietnamita, ao mesmo tempo em que reflete sobre sua própria identidade como artista diaspórico e queer. O filme é uma celebração da diversidade e da resistência, mas também um lembrete das tensões inerentes à busca por autenticidade em um mundo que nem sempre acolhe a diferença.


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