“Flaming Creatures”, dirigido por Jack Smith, é uma obra-prima do cinema underground que desafia categorizações e permanece um marco incendiário da estética queer. Filmado em 16mm com orçamento ínfimo, o filme é um delírio visual de 43 minutos que mistura camp, orgia, performance de gênero e surrealismo. Smith, um pioneiro do cinema experimental, cria um universo onde corpos, desejos e identidades se entrelaçam sem amarras, desafiando as normas da sociedade americana pós-guerra. Um precursor nato de John Waters!
A narrativa, se é que se pode chamá-la assim, é intencionalmente caótica. Não há enredo linear, mas sim uma série de tableaux vivos: drag queens, corpos nus, danças frenéticas e poses teatrais, tudo envolto em uma trilha sonora eclética que vai de boleros a pop dos anos 1950. Smith utiliza iluminação dramática e uma estética de filme caseiro para criar um efeito onírico, como se estivéssemos espiando um ritual secreto. A sequência de abertura, com um monólogo sobre batom, e a infame “orgia” central, desafiam tabus de gênero e sexualidade, celebrando a fluidez em uma era de repressão. É um manifesto visual que rejeita a moralidade puritana.
O impacto de “Flaming Creatures” vai além de sua forma. Lançado em uma América onde a homossexualidade era criminalizada, o filme foi confiscado pela polícia e banido em vários estados, acusado de obscenidade. Essa censura só amplificou seu status de culto, com defensores como Susan Sontag exaltando sua “exuberância sensual”. Smith, no entanto, rejeitava rótulos, incluindo o de “filme gay”, preferindo que sua obra fosse vista como uma celebração universal da beleza e do desejo. Ainda assim, sua iconografia queer – com figuras andróginas e performances de drag – ressoa profundamente com a história LGBTQIA+, tornando-o um precursor de movimentos como o ballroom e o camp moderno.
Tecnicamente, o filme é tão fascinante quanto desafiador. A textura granulada do 16mm, os cortes abruptos e a iluminação improvisada criam uma sensação de intimidade crua. Smith, que também era fotógrafo e performer, manipulava cada quadro como uma pintura, com referências a Hollywood clássica, cinema mudo e orientalismo.
A glorificação do excesso estético às vezes ofusca a profundidade emocional, deixando pouco espaço para introspecção. Ainda assim, essas limitações são eclipsadas pelo contexto: Smith criou em uma era de extrema repressão, e sua coragem em expor corpos e desejos não normativos é inegavelmente revolucionária. O filme é menos sobre contar uma história e mais sobre invocar um estado de espírito.
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