sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Miss Carbón (Espanha/Argentina, 2025)

“Miss Carbón” conta a história real de Carla Antonella “Carlita” Rodríguez, interpretada por Lux Pascal, a irmã de Pedro, mulher trans que se torna a primeira mineradora reconhecida em Río Turbio, na Argentina, em um ambiente marcado por superstição e machismo. Dirigido por Agustina Macri, o filme combina biografia, drama social e fábula luminosa com uma mensagem queer potente, sobre identidade, pertencimento e resistência.

A Mina de Carvão funciona como metáfora forte para o patriarcado. Em “Miss Carbón”, mulheres eram proibidas de entrar, consideradas ameaça de desabamento, enquanto o trabalho de minerar era território masculino. Carlita, ao reivindicar esse espaço, transforma seu corpo trans em arma simbólica contra normas que invisibilizam a identidade.

Lux Pascal constrói Carlita com força tranquila, sem apelos à vitimização ou sensacionalismo. Sua performance é a luz do filme fundamental para o efeito de verdade e conexão emocional que “Miss Carbón” busca no público. A atuação equilibra dignidade, dor e esperança.

A narrativa também aborda a dimensão legal e social da identidade trans. Carlita enfrenta a burocracia da Lei de Identidade de Gênero de 2012, luta pelo reconhecimento legal de seu nome feminino, e desafia costumes que impõem papéis e visibilidades restritas. A transição não é só íntima, é também pública, oral, documental e simbolicamente revolucionária dentro de uma comunidade tradicional. É um filme que dialoga com obras como “Uma Mulher Fantástica”, de Sebastián Lelio, mas com tom mais esperançoso e operário.

Esteticamente “Miss Carbón” opta por uma sensibilidade luminosa sem ignorar a dureza. A fotografia captura a rusticidade da mina, o cansaço físico, mas também o orgulho, a luz dourada do amanhecer ou do entardecer, a natureza patagônica. Cenários reais, participação local, condições adversas de filmagem e cenas cotidianas se misturam com momentos simbólicos que elevam o relato de Carlita ao patamar de fábula operária.

Se há críticas a fazer, é que algumas passagens poderiam aprofundar melhor os conflitos internos, especialmente nos momentos em que “Miss Carbón” arrisca evocação simbólica em vez de dramatização direta. O pai, por exemplo, ou o romance com o personagem de Paco León, e o impacto psicológico da rejeição familiar poderiam ganhar mais densidade. No entanto, o filme permanece como obra importante: ele ilumina uma trajetória marginalizada, tenciona normas, celebra a identidade e afirma que visibilidade não é favor é direito.

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