“A Queda da Casa de Usher” marca o início da lendária série de adaptações de Edgar Allan Poe dirigidas por Roger Corman. Com orçamento modesto e imaginação grandiosa, o filme elevou o horror americano ao dar-lhe sofisticação gótica e peso emocional. Em meio a ruínas, velas e melodrama, Corman transformou o medo em arte, e Vincent Price em ícone, juntos, redefiniram o gênero e provaram que o terror podia ser belo, trágico e profundamente humano.
Vincent Price reina absoluto como Roderick Usher, figura de decadência e desejo. Seu rosto pálido e cabelos oxigenados brilham sob a penumbra, enquanto a voz carregada de teatralidade torna cada frase uma confissão. Price cria um personagem efeminado, frágil e perversamente elegante, o tipo de presença que transforma o horror em poesia. Seu Roderick parece viver entre o palco e o túmulo, como se fosse ele próprio uma alma que nunca aceitou a morte, ou o amor.
A mansão Usher é mais que cenário, é corpo e prisão. As paredes úmidas respiram, os retratos observam, o chão range com segredos. Tudo ali apodrece com beleza: a linhagem, o sangue, o desejo. Corman e sua equipe fazem da decadência uma forma de arte, e da loucura uma lente. O espectador sente a casa desabar não só sobre as personagens, mas sobre si, cada rachadura é uma lembrança de que não há separação entre mente e espaço, entre carne e pedra, entre o eu e o abismo.
Por trás das cortinas de veludo, o filme pulsa de tensão queer. A relação entre Roderick e Madeline transborda erotismo e repulsa, amor e confinamento. A recusa ao casamento da irmã ecoa uma negação à heteronormatividade, um gesto de isolamento como resistência. Roderick, com sua sensibilidade “doentia” e seus trajes impecáveis, é o retrato de um homem que vive o peso do desejo proibido. “A Queda da Casa de Usher” transforma o medo do amor queer em sua força mais bela e trágica.
O ciclo Corman-Poe é um espelho de repressão e histeria masculina e “A Queda da Casa de Usher” talvez seja sua face mais dolorosa. Roderick encarna o queer coding da era clássica: um corpo frágil, sensível, incapaz de se encaixar nas exigências de masculinidade e perpetuação familiar. Sua aversão ao casamento e à luz do dia é uma recusa simbólica à norma. O triângulo entre Philip, Roderick e Madeline revela o embate entre o desejo e a ordem, entre o reprimido e o que retorna
Mais de seis décadas depois, “A Queda da Casa de Usher” ainda ecoa como um cântico fúnebre de beleza e desejo. Corman e Price não apenas filmaram um conto de terror, mas revelaram o subtexto erótico e trágico de uma era que silenciava corpos. É um filme que respira pelos poros da ruína, que faz do horror uma linguagem do amor reprimido.
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