“Love Kills”, de Luiza Shelling Tubaldini, inspirado na graphic novel de Danilo Beyruth, chega como uma obra rara e necessária: um terror brasileiro urbano que ousa beber da fonte dos vampiros não como clichê, mas como metáfora pungente para exclusão social, desejo e sobrevivência.
São Paulo, filmada por Jacob Solitrenick com uma câmera que oscila entre a podridão da Cracolândia e a sedução dos néons, torna-se a morada perfeita para vampiros. Entre arranha-céus que nunca dormem e esquinas onde a noite não termina, “Love Kills” constrói sua atmosfera: uma metrópole insone, marginalizada e, portanto, propícia para criaturas das trevas. O contraste entre degradação urbana e estética estilizada remete a ecos de “Blade” e “A Rainha dos Condenados”, mas com identidade profundamente brasileira.
No centro da narrativa está Helena (Thais Lago), uma vampira negra cuja presença magnética vai muito além da mitologia clássica. Sua relação com Marcos (Gabriel Stauffer), um garçom ingênuo atraído para o submundo noturno, é tanto um jogo de sedução quanto um mergulho em relações de poder. Ao redor deles, corpos masculinos são filmados com atenção ao desejo, corpos femininos reivindicam espaço, e surge Victor (Flow Kontouriotis), criatura que rompe códigos de gênero e se afirma como “veade”, tensionando binarismos e trazendo ao filme uma dimensão queer explícita que faz brilhar o olhar do espectador LGBTQIA+, diante a presença do “vampire”.
Tubaldini, que já vinha se dedicando a narrativas fantásticas, entende os vampiros como metáfora atualíssima. Em “Love Kills", eles representam mulheres marginalizadas, vítimas de violência, corpos que carregam feridas de exclusão, mas também desejo de vingança e poder. O subtexto queer é trabalhado não apenas nos diálogos, mas na própria maneira como o filme filma corpos e relações, sugerindo que o monstro é, muitas vezes, a sociedade que expulsa, nega e condena.
As sequências de ação iluminadas por neon trazem dinamismo e estilo, mas é no ritmo das relações que “Love Kills” encontra sua sede por sangue. A diretora escolhe não suavizar os arquétipos, mas tensioná-los: a vampira não é apenas predadora, é sobrevivente; o humano não é apenas vítima, é cúmplice do fascínio. A estilização nunca apaga a camada social, a cidade devastada pelo crack, os espaços de exclusão e violência, a metáfora latente do vampiro que rompe normas.
“Love Kills” é um filme que reimagina o mito do vampiro dentro do Brasil contemporâneo, entre ruínas urbanas e corpos dissidentes, entre desejo e perigo. Luiza Shelling Tubaldini prova que terror e fantasia, quando levados a sério, podem se tornar ferramentas políticas e sensuais de reinvenção do nosso olhar.
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