“O Labirinto dos Garotos Perdidos" surge como uma fábula convidando ao desconhecido, ao desejo e ao perigo. A partir da história de Miguel (Giuliano Garutti), um garoto do interior que se perde durante a madrugada na cidade grande, e encontrando o personagem vivido por Lucas Bocolan, o filme nos arrasta por uma sucessão de encontros sexuais progressivamente bizarros, até que um assassino começa a espreitar nas sombras. Marchetti, que assina direção, roteiro, montagem e produção executiva, constrói este labirinto narrativo para explorar luxúria, medo e identidade queer sob tensão constante.
Narrado por Tuna Dwek, o filme é visualmente um deleite para quem gosta de ver imagens estilizadas e luzes trabalhadas como formas de expressão sensorial. A direção de fotografia de João Paulo Belentani e Davi Krasilchik investe em closes de pele que quase revelam poros, reflexos de água, correntes, sexo espelhado, cenários que parecem instalações artísticas. O aquário de São Paulo, a piscina em uma cena mítica, a luz verde e vermelha no labirinto, são sequências líricas que evocam o giallo italiano, mas também uma tropicalidade gótica profundamente brasileira.
“O Labirinto dos Garotos Perdidos” é um filme escandalosamente queer. Os encontros sexuais variam entre tipos (o padrão, o daddy, o urso), e a fluidez do desejo aparece explícita. O Grindr, mas também a cidade, são metaforizados como uma porta para o desconhecido, de pepinos a chuva dourada: práticas marginalizadas trazidas à cena não como fetiche, mas como parte da cena gay urbana. O próprio Marchetti aparece na tela como Fernando, presença autoral que participa e testemunha, corpo entre corpos.
Há um forte componente metafórico e de metalinguagem no labirinto literal do filme. O espaço é território de prova, físico e psicológica, em que Miguel atravessa seus desejos, medos e o impulso de entender quem é fora das suas próprias fronteiras. É também um espaço fantasmagórico, uma alegoria do “estar perdido” em si mesmo: perdido em rostos, em corpos despidos, em expectativas para o próximo encontro. Marchetti parece dizer que o labirinto é este cheio de becos visuais, de sedução, de perigo e de prazer.
A força do filme está justamente na sua mistura: "O Labirinto dos Garotos Perdidos" é terror, thriller erótico, crítica social, alegoria e até musical, um híbrido que reafirma a assinatura do diretor. Em seu terceiro longa, Marchetti mostra ser um autor de referências eruditas que costura horror, mitologia e desejo com a sofisticação de quem conhece seus ídolos, de Poe a Jess Franco, de Fulcci a Alan Clark. Sua estética é de fantasmagoria tropical, de fábula queer urbana, escrita com sangue, suor e glitter.
“O Labirinto dos Garotos Perdidos” é uma obra de corpos e sombras, de luxúria e perigo, em que o horror e o prazer se confundem. A genialidade de Marchetti está em filmar o desejo como a forma mais pura de resistência e, simultaneamente, o ponto de maior fragilidade. Ao se entregar ao prazer, Miguel se expõe. E é nessa exposição, nessa fusão entre Eros e Tanatos, que habita a assinatura do diretor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário