Em “Depois da Caçada", Luca Guadagnino nos leva para o âmago moral de uma academia de elite, onde poder, imagem e moralidade se entrelaçam numa trama que pulsa entre o escândalo e a dúvida. Alma Imhoff (Julia Roberts), professora universitária respeitada, se vê abalada quando Maggie (Ayo Edebiri), uma de suas alunas, acusa Hank Gibson (Andrew Garfield), colega de profissão, de agressão sexual, após um jantar na casa de Alma. Ao mesmo tempo, segredos pessoais do passado de Alma, casada com Frederik Olsson (Michael Stuhlbarg), também começam a emergir. Diferentemente de seu último longa “Queer”, aqui o diretor está mais interessado em uma crítica social do no homoerotismo explícito.
A estética de Guadagnino nunca sai do jogo: ele filma academia, parlamentos de filosofia e residências ricas em objetos, livros e luz dourada, tudo com lente que capta não só o físico, mas a atmosfera do luxo: expectativa, privilégio, visibilidade. A fotografia de Malik Hassan Sayeed volta a 35mm depois de muito tempo, proporcionando textura tátil aos interiores opulentos e às sombras dos corredores universitários. A trilha sonora, por Trent Reznor e Atticus Ross, costura esse jardim moral com notas tensas, junto de canções brasileiras de Tom Jobim, João Gilberto, Ambitious Lovers, além de outros nomes como Tony Benett e Everything but the Girl.
É nessa moldura que o filme planta sua ambiguidade, especialmente no que tange às relações pessoais. Maggie é uma estudante negra e queer em relacionamento com Alex (Lío Mehiel, colaborador frequente de Guadagnino), pessoa não-binária, cuja acusação abre uma fissura que deixa todos vulneráveis , Alma, Hank e o ambiente acadêmico. A visibilidade de Maggie não é superficial: sua identidade queer adiciona uma camada de periculosidade simbólica para os poderosos, pois ela representa risco de revelação, de incomodar os equilíbrios estabelecidos. Nesse ponto também surge a andrógina Dra. Kim Sayers (Chloë Sevigny), uma psicóloga na Universidade Yale e amiga da personagem principal.
A ambiguidade moral é o motor do filme. Não há vilões claros e heróis absolutos. Alma, por exemplo, luta entre sua responsabilidade ética e sua reputação, sua atuação pública e seus medos privados. Hank também se movimenta entre realidade, negação e culpa. E Maggie, mesmo sendo acusadora, é mostrada com falhas, desejos contraditórios, medos. Esse jogo de múltiplas verdades concede ao espectador o papel ativo: questionar, desconfiar, ponderar.
Mas “Depois da Caçada" também sofre sob seu peso. O filme às vezes se perde entre a discussão ideológica e as dinâmicas pessoais, deixando perguntas importantes sem resposta ou personagens sub-desenvolvidos. A obra tenta lidar comr muitos temas, #MeToo, gênero, raça, desempenho acadêmico, reputação, sexualidade, e nem sempre consegue equilibrar todos.
Ainda assim, o longa traz conflito, nuance, reflexo de identidades em conflito. O queer em "Depois da Caçada" é menos sobre representação romântica ou erótica explícita, e mais sobre estratégia narrativa e crítica social. Guadagnino posiciona a identidade queer e negra de Maggie no centro da polêmica para desmascarar o funcionamento opressor e hipócrita da elite, transformando o queer em uma força de perturbação moral indispensável para a trama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário