Em "Pieces of Love", o diretor nigeriano Akpos Otubuere transforma gestos em declaração. O média-metragem segue Tobe (Daniel Uzo) e Alex (Daniel Abua), dois homens que compartilham um apartamento por alguns dias em uma Nigéria que insiste em negar a eles o direito de existir. O espaço doméstico, que poderia ser prisão, torna-se refúgio: ali o amor acontece em sussurros, olhares e respirações contidas. É nesse confinamento que o filme constrói sua poética, a do afeto como ato radical.
A fotografia é íntima, quase tátil. Cada plano parece querer tocar a pele negra dos personagens, capturando a textura do suor, o calor do corpo, a hesitação entre o desejo e o medo. Otubuere filma com delicadeza, mas também com firmeza política: o quarto pequeno vira mundo, o lençol branco vira bandeira, o beijo roubado vira insurgência.
Nada é dito abertamente, mas tudo é sentido, e é nesse intervalo entre o dito e o silenciado que “Pieces of Love" encontra sua força. Filmado em uma única locação, o medo é uma presença constante, o barulho da rua, o toque de uma campainha, a lembrança do perigo , mas é justamente contra esse medo que o amor floresce. Há ternura no gesto cotidiano, no simples ato de dividir o espaço e a comida, como se o amor fosse possível apenas entre os destroços da intimidade.
O filme se organiza em fragmentos, quase como o título sugere, pedaços de amor que o mundo tenta arrancar. A montagem, suave e contemplativa, parece buscar a respiração dos personagens, os silêncios entre falas, as pausas entre beijos e diálogos é um espaço que é refúgio mas também um universo particular.
Onde o filme mais brilha é em sua representatividade negra. Há ecos de Barry Jenkins, e até mesmo Marlon Riggs, em como "Pieces of Love" captura o amor masculino com dignidade e lirismo, mas Otubuere inscreve sua voz em um contexto muito mais brutal. Se "Moonlight" era um poema sobre reconhecimento, "Pieces of Love" é um sussurro de sobrevivência.
No país em que a homossexualidade ainda é criminalizada, o simples gesto de amar é resistência, e por mais que tenha falhas é cinema como ferramenta de liberdade. O resultado é um filme pequeno apenas na duração. Em conteúdo, ele é imenso. “Pieces of Love” não precisa gritar para ser político. Ele sussurra, respira, acaricia, e isso basta.
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