“Apenas Coisas Boas”, dirigido e escrito por Daniel Nolasco, chega como um romance homoerótico rural intenso. Em 1984, o filme narra o encontro entre Antônio (Lucas Drummond), que vive isolado cuidando de sua pequena fazenda na região campestre de Goiás, e Marcelo (Liev Carlos), um motociclista solitário que sofre um acidente ao atravessar a região, e nas reverberações desse amor ao longo de décadas. Fernando Libonati aparece como Antônio na maturidade.
Munido de uma espingarda e um farto bigode sedutor, Lucas Drummond, em seu primeiro papel protagônico no cinema domina a tela: isolado, rústico, sensível ao toque, ao desejo e ao silêncio. Liev Carlos como Marcelo é o contraponto. No segundo ato, Fernando Libonati retorna como Antônio mais velho, marcado pela vida. Porém mais urbano e trazendo uma bem-vinda representatividade a corpos maduros. Renata Carvalho enriquece com Helga, uma funcionária, que introduz arbitrariedades de poder e presença feminina forte no interior desse amor de testosterona.A cinematografia de Larry Machado impressiona desde a primeira cena, com planos amplos da paisagem rural, luz dourada cortando os arbustos e os corpos em intimidade vibrante. Onde o filme mais encanta é no seu romance traduzido em homoerotismo latente, na nudez, no sexo explícito, oral, cruising, voyeurismo, numa teia que costura passado e presente. As cenas são filmadas sem pudor ou vergonha, mas também sem sensacionalismo: são necessárias para mostrar o desejo como carne, como pulsação vital que resiste ao silêncio, uma marca do diretor.
A trilha sonora vai de Thiago Petit e Tiê a Ângela Maria, costurando passado e presente em melodias que oscilam entre o melancólico, o rural e o quase festivo. Além dos sons da natureza, são músicas que acendem lembranças, que atravessam o tempo vivido e revivido. Assim como o visual, quase anacrônico, com cartazes masculinos numa loja de conveniências, ou referências a Tom of Finland, a música assume papel de protagonista nos momentos de desejo e de perda, intensificando o que as palavras não dizem.
Em “Apenas Coisas Boas”, há um diálogo claro com "Vento Seco" (2020), o notável filme anterior de Nolasco que também explorava o desejo masculino no interior goiano. Em "Vento Seco", o foco estava no erotismo casual e nas fantasias de masculinidade, a nudez e o desejo contido, mas o filme ainda mantinha certa distância emocional. Aqui, Nolasco leva essa estética adiante, aprofundando o erotismo, cruzando temporalidades e incorporando mistério: não é só sexo e desejo, é também saudade, memória viva, despedida, sobre o que se perde e se mantém.
“Apenas Coisas Boas” reafirma Daniel Nolasco como voz fundamental do cinema queer brasileiro contemporâneo. Num aceno para a obra do português João Pedro Rodrigues, o filme se impõe pelo erotismo explícito e corajoso, pela fotografia de Larry Machado que torna corpo e campo paralelos de desejo e pelo elenco que vive cada cena com risco emocional. É um filme que provoca: sobre quem somos, sobre quem fomos, sobre quem amamos. É cinema que marca, que excita, que nos faz sentir, e que resiste, porque mostrar o desejo gay é também ato de coragem.
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