“Duino” começa com uma pergunta simples e familiar a qualquer pessoa que já quis “reiniciar” a própria vida: e se pudéssemos refazer um gesto, escolher outra palavra, mudar um beijo? Juan Pablo Di Pace, junto de Andrés Pepe Estrada, transforma essa questão em cinema, ao colocar um cineasta adulto obcecado por recompor, quadro a quadro, um momento chave da juventude. O efeito é duplo: o presente empalidece, o passado ganha uma vivacidade que, para o protagonista, é ao mesmo tempo refúgio e prisão.
A estrutura em dois tempos funciona como motor dramático. As sequências em Duino, na costa adriática, têm a textura da lembrança idealizada, luzes suaves, castelo em ruína, uma sensação quase onírica que faz do verão de 1997 um espaço protegido. Santiago Madrussan, como o jovem Matias, e Oscar Morgan, no papel de Alexander, constroem em silêncios e microgestos uma intimidade que o roteiro prefere não etiquetar. A cumplicidade entre os dois nasce de ações concretas, uma dança, uma citação de Monty Python, um passeio por ruínas, e é exatamente essa construção por detalhes que dá verossimilhança ao afeto que os paira.
No contraponto, o Matias presente, vivido pelo próprio Di Pace, aparece paralisado, preso à sala de edição como quem tenta reescrever um destino. A opção formal de atrasar o ritmo do “agora” em relação ao passado é inteligente, porque nos faz sentir o peso da fixação: o diretor-personagem busca no filme a resposta que a vida não lhe deu.
As pressões externas, sobretudo as expectativas heteronormativas, são tratadas com economia e precisão: a família de Alexander, a conversa sobre escola militar, o empurrão para caminhos previsíveis, tudo aparece como barreira silenciosa que modela escolhas. Essa força social jamais é apenas pano de fundo; ela atua como obstáculo concreto ao gesto do afeto, transformando o romance possível em algo assombrado pela convenção.
A direção de fotografia preserva o encanto da lembrança sem cair na idealização aduladora, e a montagem, tão central num filme sobre edição, consegue um salto simbólico: mostra que cortar e colar é também escolher o que lembrar. Há momentos em que o impulso de “aperfeiçoar” dramático se torna capricho formal, e o excesso de revisões metafílmicas pode afastar alguns espectadores, mas essas reservas não apagam a honestidade do projeto, um filme que se confessa artifício enquanto procura a verdade íntima, sem deixar de remete ao íntimo “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar.
“Duino” se impõe como um filme sobre a dúvida que persiste depois do primeiro amor, sobre a tentação de transformar a memória em roteiro e sobre a dificuldade de viver com narrativas incompletas. Não é um melodrama simplista nem uma celebração de conclusões fáceis; prefere a ambiguidade e a aceitação de que algumas respostas só vêm quando se aprende a contar a história de outro modo.
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