“Fréwaka”, de Aislinn Clarke, é o tipo de horror folk que revela que até as vilas mais pitorescas escondem feridas profundas. Shoo (Sophie Vavasseur) chega para cuidar de Peig (Bríd Ní Neachtain), e o que parecia apenas um trabalho logo se torna um mergulho em fantasmas folclóricos e pessoais, agravado pela gravidez de sua noiva Mila (Darya Gritsyuk). Entre realidade e superstição, a fronteira é frágil, e cada escolha carrega o peso do invisível. O filme fascina pelo modo como Clarke insere a sexualidade de Shoo sem forçar ou transformá-la em ornamento. O amor entre ela e Mila pulsa como parte natural da narrativa, mostrando que maternidade e desejo queer também cabem no terror, e que o gênero pode, sim, ser espaço para afetos dissidentes.
Visualmente, a obra é perturbadora. A fotografia fria, quase documental, constrói um clima de claustrofobia, enquanto a paisagem irlandesa se ergue como extensão dos medos internos. A estética do horror folk clássico se encontra com cortes modernos e enquadramentos precisos, lembrando o tempo todo que a ameaça não vem apenas do sobrenatural, mas também do psicológico, do social e do histórico.
As lendas dos Na Sídhe, figuras do folclore irlandês associadas ao mundo das fadas e espíritos, atravessam a narrativa como espelhos das experiências de Shoo. Clarke transforma essas crenças em metáfora para o trauma intergeracional, saúde mental, e para as pressões que recaem sobre corpos e escolhas queer, revelando como o terror coletivo se conecta ao íntimo.
As atuações elevam o filme: Sophie Vavasseur constrói uma Shoo dividida entre fragilidade e resistência, Darya Gritsyuk dá a Mila uma presença constante mesmo quando fora de quadro, e Bríd Ní Neachtain imprime em Peig uma intensidade rara, oscilando entre medo, ternura e desespero. Cada interação entre essas mulheres pulsa de humanidade, tornando o horror ainda mais cortante.
No fim, “Fréwaka” é horror folk com cérebro e coração exposto. Clarke nos lembra que monstros, espíritos e Na Sídhe são assustadores, mas nada se compara à intensidade da vida real, das relações humanas e do amor queer que insiste em florescer mesmo nos lugares mais isolados e sombrios. Um filme que assusta, emociona e atordoa!
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