“Un Cuento de Pescadores”, dirigido por Edgar Nito e escrito em parceria com Alfredo Mendoza, é uma obra de folk horror que parte da lenda da Miringua, espírito lacustre purépecha, para explorar histórias interconectadas em uma comunidade pesqueira no Lago de Pátzcuaro, en Michoacán. A ambientação real nas ilhas como Yunuén, as filmagens noturnas e a presença constante da água dão textura ao terror, ao mistério e à atmosfera opressiva do longa.
Entre os personagens, destacam-se Berenice (Alejandra Herrera) e Alicia (Daniela Momo), cujo relacionamento amoroso se desenvolve em meio ao medo e à tensão. Beijos e gestos de intimidade confirmam o lugar central dessa relação, que não apenas humaniza a narrativa como também funciona como contrapeso afetivo diante da ameaça sobrenatural. O destino das duas tem papel decisivo no desfecho do filme.
A lenda da Miringua, espírito feminino do lago que seduz pescadores para levá-los às profundezas, é o eixo mitológico que atravessa todas as histórias. Associada ao esquecimento, ao desvio e à perda de si, a figura funciona como metáfora para culpas, desejos reprimidos e traições. Ao trazer o folclore purépecha para o centro da narrativa, “Un Cuento de Pescadores” conecta tradição oral e cinema contemporâneo, renovando o gênero do horror folk com uma identidade cultural própria. E é claro, a criatura aparece, mas mesmo sem refinamento, não compromete o resultado do final.
O filme adota uma estrutura coral, em que múltiplas histórias se entrelaçam e revelam diferentes formas de enfrentar o medo, a superstição e o peso da tradição. A fotografia de Juan Pablo Ramírez explora reflexos, penumbras e o lago como superfície viva, enquanto o design de som intensifica a sensação de ameaça invisível. Maquiagem e efeitos práticos dão corpo à criatura, que se torna quase tangível, reforçando a atmosfera sombria que permeia a obra.
“Un Cuento de Pescadores” se destaca no cenário do terror mexicano por sua originalidade, resgatando o folclore local e integrando-o a personagens humanos, cheios de dilemas, desejos e arrependimentos. Ainda que alguns núcleos secundários careçam de maior desenvolvimento e o ritmo oscile em certas passagens, a força da ambientação e a densidade dos temas superam as pequenas fragilidades.
Com “Un Cuento de Pescadores”, Edgar Nito reafirma que o terror pode ser também espaço de memória, identidade e resistência. Ao unir a força ancestral da lenda da Miringua com a intensidade afetiva do romance entre Berenice e Alicia, o filme cria uma narrativa que é ao mesmo tempo local e universal, sombria e profundamente humana. Para quem busca um horror queer que emerge do coração do folclore mexicano, este é um título incontornável.
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