domingo, 21 de setembro de 2025

Quartas Impressões: Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente. - Ep.4 - "Vem Chegando o Verão"

“Vem chegando o Verão” é o quarto e penúltimo capítulo de “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente”, e carrega em si tanto o peso da despedida quanto a vibração de um sopro de vida. O título evoca Marina Lima e anuncia o tom: um episódio que não se fecha na tragédia, mas abre frestas de calor e luminosidade em meio ao caos dos anos 80. O roteiro, assinado por Patrícia Corso, encontra equilíbrio entre dor e desejo, sempre com um olhar político e afetivo.

A abertura no cemitério é simbólica e devastadora, lembrando o destino comum que tantas pessoas LGBTQIA+ enfrentaram em plena epidemia. Mas o episódio recusa o luto passivo: ele transforma a perda em combustível narrativo, apontando para as contradições de uma sociedade que julgava corpos, condenava afetos e silenciava vidas. A fala da médica Dra. Joana (Hermila Guedes) ecoa como síntese de um tempo brutal: “Tem tanta morte que tá faltando até atestado de óbito”.

ALERTA DE SPOILER: ⚠️ Entre as fissuras da dor, brota também a chama do desejo. Raul (Ícaro Silva) e Nando (Johnny Massaro) engatam um romance, e a série entrega uma das sequências mais quentes até aqui, embalada pela voz inconfundível de Marina Lima. O momento é solar, sexy, mas sobretudo político: um gesto de afirmação em meio à sombra, prova de que a série não se limita à desgraça, mas também celebra a vitalidade queer.

O episódio ainda reserva espaço para crítica social afiada. As campanhas sensacionalistas do Ministério da Saúde são recriadas com ironia, expondo como o poder público escolheu o medo e o estigma em vez da informação. Em contraste, a Paradise segue como família escolhida, palco de acolhimento e de resistência, reafirmando seu papel central como coração afetivo da narrativa.

Há também espaço para intimidade e aceitação. “Mãe sempre sabe”, diz a mãe de Nando, interpretada por Carla Ribas, em uma cena comovente que contrasta com tantas histórias de rejeição. Em vez de condenar, ela acolhe o filho e reafirma seu orgulho. Essa virada familiar amplia o alcance emocional, mostrando que as redes de apoio podiam vir tanto da comunidade quanto do lar.

As tensões crescem com a batida da Polícia Federal no aeroporto, cena que mistura suspense e indignação. O carregamento de AZT, fruto de tanto risco e coragem, é jogado fora em um gesto cruel do delegado Santos (Sérgio Menezes). O drama expõe a face mais violenta do Estado, disposto a destruir vidas em nome da ordem, enquanto Yara (Eli Ferreira) assume com firmeza o posto de liderança no contrabando, em mais uma mostra da força coletiva.

Ao mesmo tempo, a AirFly revela sua hipocrisia ao demitir comissários soropositivos. Nando decide enfrentar a companhia e se expor publicamente, ato de coragem que conecta sua história pessoal à denúncia política. O casamento com Léa (Bruna Linzmeyer), que anuncia a gravidez para a empresa, sela um pacto de sobrevivência.

“Vem chegando o Verão” é um episódio comovente, que prepara o terreno para o desfecho. Entre música, desejo e dor, ele reafirma a potência de “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente” como narrativa histórica. Ao som dos Titãs e sua irreverente “Bichos Escrotos”, a série mostra que a memória é feita tanto de lágrimas quanto de gritos de resistência.

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