“História de Dos Guerreros”, dirigido por Pablo César e escrito em parceria com Jerónimo Toubes, emerge como um drama íntimo e transcontinental. Filmado em 16 mm na província de Corrientes, entre Empedrado e o bairro Cambá Cuá, o longa aposta em uma estética cálida e granulada que recria os anos 80 e celebra a herança cultural afrodescendente da região.
Ara (Alejo Isnardi), jovem lutador de MMA que trabalha em plantações de cítricos, sonha em competir profissionalmente no Brasil. Kossi (Idriss Mousa Sare), jogador de futebol do Togo, vê seu destino interrompido por uma lesão no joelho e pelo abandono dos intermediários que o trouxeram à Argentina. Os dois se cruzam em um festival dedicado a San Baltazar, a ritmo de tambores, e a partir daí nasce um vínculo que atravessa fronteiras, carregado de anseios e dores.
O que começa como amizade se transforma em atração amorosa, frágil e intensa. O peso da homofobia obriga Ara a se afastar após serem denunciados por um colega, e a narrativa captura esse dilema com delicadeza e dor. O longa coloca os protagonistas diante da encruzilhada: escolher a invisibilidade como estratégia de sobrevivência ou reivindicar seu desejo mesmo sob risco de rejeição.
Quando os sonhos individuais desmoronam, Ara e Kossi acabam sob o jugo de Momo (Horacio Ruiz), organizador local que os obriga a lutar um contra o outro em um combate de MMA. O que poderia ser apenas espetáculo violento ganha camadas simbólicas: é ali que se colocam em jogo identidade, dignidade e a possibilidade de resistirem juntos contra a exploração.
César construiu sua trajetória como um dos poucos cineastas latino-americanos dedicados a tecer pontes entre a América do Sul e a África, filmando em ambos os continentes. Em “História de Dos Guerreros”, ele avança ainda mais, trazendo um relato queer, interseccional e popular, no qual desejo, identidade e desigualdade se entrelaçam em cena.
Com pouco mais de uma hora, o filme não desperdiça tempo: seu ritmo é firme e direto. A relação entre Ara e Kossi late como um grito de resistência contra a marginalização, provando que o afeto pode ser um gesto de sobrevivência. “História de Dos Guerreros” é sobre corpos que insistem em existir e amar, mesmo quando tudo ao redor os tenta silenciar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário